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São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2003

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Parada AME São Paulo reúne cibermanos e "clubbers dos Jardins"

Os donos das ruas

RICARDO LISBÔA
DA REPORTAGEM LOCAL

No princípio, não era o verbo. Era a "vibe". Assim deve pensar uma incontável quantidade de, principalmente, paulistanos que vão devotar com toda a fé e muita dança na parada AME São Paulo, que acontece no próximo domingo (26/ 10), fechando a Semana Jovem de São Paulo.
Sem dúvida é a data em que se deve ver a maior interação social na cidade. Da classe média alta dos Jardins à periferia, jovens que vêm de todos os lados dão a face mais plural da cidade e não há como não percebê-los. Ultracoloridos, com vários piercings e cabelos em formatos não-convencionais, de início, foram tachados pejorativamente de "clubbers-favela" pelos "clubbers dos Jardins", daí, não demorou muito para que fosse criado um outro termo, também pejorativo: cibermanos.
"Sou e com orgulho", assume Valéria Matos, 15, cibermina desde os 13. "Não me importo com como me chamam, eu estou aqui pela música e pela ideologia", completa ela durante uma das edições da festa Lov.e por São Paulo, no Butantã. "Esse tipo de evento mostra o reconhecimento deles [os clubbers da periferia de São Paulo] como um grupo social, assim como os punks e a galera do hip hop", afirma o pesquisador Ricardo Sabóia, que está finalizando sua tese de mestrado pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) sobre esses jovens.
"É ser da paz, do amor, do respeito e da união. Isso é ser clubber", define de cara Renato Gomes, 13, usando um kilt, cabelos espetados, piercings na orelha e uma jaqueta verde berrante, ao lado de amigos vestidos com tanto colorido quanto ele.
Essa definição de Renato é a exata tradução da sigla em inglês Plur. Que é uma espécie de mandamento para os clubbers, assim como as funções das roupas e dos assessórios, que para muitos deles não são usados apenas para reforçar uma valorização da diferença (ver arte ao lado).
"Quem é clubber mesmo sabe todas as ideologias. Mas eu decidi que não precisava mais usar tudo aquilo, é como eu ajo que importa. Agora, eu gosto mais de umas roupas meio de skatista", relata Júlia Bornel, 17, que furou seu próprio nariz para colocar um piercing, e tinha mais três no lábio, "aí foram os meus amigos", e um na língua, "esse eu tive de pagar", enquanto descansava em um sofá na matinê de domingo da festa Nation, uma das preferidas pelos clubbers periféricos. Essa mutação de clubber a skatista seria impensável há até bem pouco tempo, quando eram comuns os embates entre eles. "Por serem muito coloridos, os clubbers são muito associados aos homossexuais e, por isso, sofrem do mesmo preconceito. E é fato que eles são bem mais tolerantes do que outros grupos sociais", explica Sabóia.

Manchester, Detroit, SP
O fenômeno da inserção da música eletrônica nas classes baixas já havia acontecido em grande escala pelo menos duas outras vezes. Primeiro, no Reino Unido, principalmente em Manchester, quando, no fim dos anos 80, o house se tornou uma febre. Depois, em Detroit, nos EUA, no comecinho da década passada, quando o tecno tomou forma e, enfim, aconteceu em São Paulo, em meados dos anos 90, especialmente na zona leste, onde clubes como Toco e Overnight deram impulso a que fosse formatado o drum'n'bass brasileiro, fazendo surgir uma leva de top DJs como nunca havia acontecido anteriormente.
Gente como Marky e Andy tiveram nesses locais suas origens e, também por isso, são de longe os DJs mais queridos pelo seu público inicial.
Hoje, segundo Sabóia, o principal meio de consumo de música eletrônica é mesmo o rádio. "Há programas que colocam sets inteiros de um DJ. Há também a MTV, que, em São Paulo, é um canal aberto e é uma grande fonte de referência visual."
Domingo que vem, então, é quase um encontro religioso, para o qual, a maioria dos clubbers se prepara o ano todo. Luciana Rodrigues, 16, é uma dessas. "A parada é "A" festa. Com "A" maiúsculo. Vão os melhores DJs, que só tocam em lugar caro, é tipo "rave", ao ar livre, é muito legal. Você também vai lá, não vai?"



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