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Parada AME São Paulo reúne cibermanos e "clubbers dos Jardins"
Os donos das ruas
RICARDO LISBÔA
DA REPORTAGEM LOCAL
No princípio, não era o verbo. Era a "vibe". Assim deve pensar uma incontável quantidade de, principalmente, paulistanos que vão devotar com toda a fé e
muita dança na parada AME São Paulo,
que acontece no próximo domingo (26/
10), fechando a Semana Jovem de São
Paulo.
Sem dúvida é a data em que se deve ver
a maior interação social na cidade. Da
classe média alta dos Jardins à periferia,
jovens que vêm de todos os lados dão a
face mais plural da cidade e não há como
não percebê-los. Ultracoloridos, com vários piercings e cabelos em formatos
não-convencionais, de início, foram tachados pejorativamente de "clubbers-favela" pelos "clubbers dos Jardins", daí,
não demorou muito para que fosse criado um outro termo, também pejorativo: cibermanos.
"Sou e com orgulho",
assume Valéria Matos, 15, cibermina
desde os 13. "Não me importo com como
me chamam, eu estou aqui pela música e
pela ideologia", completa ela durante
uma das edições da festa Lov.e por São
Paulo, no Butantã. "Esse tipo de evento
mostra o reconhecimento deles [os clubbers da periferia de São Paulo] como um
grupo social, assim como os punks e a
galera do hip hop", afirma o pesquisador
Ricardo Sabóia, que está finalizando sua
tese de mestrado pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) sobre esses jovens.
"É ser da paz, do amor, do respeito e da
união. Isso é ser clubber", define de cara
Renato Gomes, 13, usando um kilt, cabelos espetados, piercings na orelha e uma
jaqueta verde berrante, ao lado de amigos vestidos com tanto colorido quanto
ele.
Essa definição de Renato é a exata tradução da sigla em inglês Plur. Que é uma
espécie de mandamento para os clubbers, assim como as funções das roupas e
dos assessórios, que para muitos deles
não são usados apenas para reforçar
uma valorização da diferença (ver arte
ao lado).
"Quem é clubber mesmo sabe todas as
ideologias. Mas eu decidi que não precisava mais usar tudo aquilo, é como eu ajo
que importa. Agora, eu gosto mais de
umas roupas meio de skatista", relata Júlia Bornel, 17, que furou seu próprio nariz para colocar um piercing, e tinha
mais três no lábio, "aí foram os meus
amigos", e um na língua, "esse eu tive de
pagar", enquanto descansava em um sofá na matinê de domingo da festa Nation,
uma das preferidas pelos clubbers periféricos. Essa mutação de clubber a skatista seria impensável há até bem pouco
tempo, quando eram comuns os embates entre eles. "Por serem muito coloridos, os clubbers são muito associados
aos homossexuais e, por isso, sofrem do
mesmo preconceito. E é fato que eles são
bem mais tolerantes do que outros grupos sociais", explica Sabóia.
Manchester, Detroit, SP
O fenômeno da inserção da música eletrônica nas classes baixas já havia acontecido em grande escala pelo menos duas
outras vezes. Primeiro, no Reino Unido,
principalmente em Manchester, quando,
no fim dos anos 80, o house se tornou
uma febre. Depois, em Detroit, nos EUA,
no comecinho da década passada, quando o tecno tomou forma e, enfim, aconteceu em São Paulo, em meados dos anos
90, especialmente na zona leste, onde clubes como Toco e Overnight deram impulso a que fosse formatado o
drum'n'bass brasileiro, fazendo surgir
uma leva de top DJs como nunca havia
acontecido anteriormente.
Gente como Marky e Andy tiveram
nesses locais suas origens e, também por
isso, são de longe os DJs mais queridos
pelo seu público inicial.
Hoje, segundo Sabóia, o principal meio
de consumo de música eletrônica é mesmo o rádio. "Há programas que colocam
sets inteiros de um DJ. Há também a
MTV, que, em São Paulo, é um canal
aberto e é uma grande fonte de referência
visual."
Domingo que vem, então, é quase um
encontro religioso, para o qual, a maioria
dos clubbers se prepara o ano todo. Luciana Rodrigues, 16, é uma dessas. "A parada é "A" festa. Com "A" maiúsculo. Vão
os melhores DJs, que só tocam em lugar
caro, é tipo "rave", ao ar livre, é muito legal. Você também vai lá, não vai?"
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