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ÔNIBUS
Adolescentes que nunca andaram de ônibus sozinhos falam sobre o medo de subir no coletivo, mas apontam o transporte como sinônimo de mais liberdade e independência
Passageiros de primeira viagem
LUCRECIA ZAPPI
DA REPORTAGEM LOCAL
"Nunca andei de ônibus, só em
Paris, na Escócia e no País no
Gales. Aqui tenho medo". Assim como Vanessa Arida,16, muitos adolescentes não se cansam de dizer que andar
de ônibus no Brasil é perigoso. Por outro
lado, este é o meio de transporte diário de
milhares de jovens brasileiros, desde a escola até a balada.
"Acho que as pessoas estão delirando.
Vêem muita novela com assalto em ônibus,
e acabam criando a fantasia de que ônibus é
problema. Mas só ter medo não adianta, a
gente tem que se virar sozinho", diz Renata
Gouvêa,13.
De tão pequena que era, Renata nem se
lembra da única vez em que viajou em um
coletivo, mas topou subir em um buzão
com a reportagem do Folhateen para ir de
sua casa, no bairro Alto de Pinheiros, em
São Paulo, até o shopping Iguatemi.
Escoltada pela irmã de 11 anos, Mariana,
e pelo pai, que é ex-jogador de rugbi, mais a
amiga Laura Lima, 13, que também levou o
pai a tiracolo, Renata entrou em um ônibus
que estava praticamente vazio e, dez minutos depois, já à entrada do shopping, classificou sua primeira vez de "tranqüila".
Segundo Renata, sua mãe não a deixa ir
sozinha para lugar nenhum. "Nem de táxi.
Ela fala que a violência está muito grande, e
a gente vê na TV que o índice de seqüestros
aumentou em São Paulo. Acho que ela exagera um pouco, mas concordo em parte
com ela".
Enquanto Renata fala, Laura acena que
sim com a cabeça e lembra que as mulheres
são alvo mais fácil para assaltos, daí a proteção maior: "Quase todos os meninos na
nossa classe pegam ônibus para voltar da
escola. A gente [as mulheres] não pode fazer isso".
Mas Laura diz que o ônibus não pode ser
estigmatizado como o "pára-raios da violência". "Eu tenho um pouco de medo, mas
a gente tem que aprender a se virar, é chato
depender dos outros", diz a adolescente.
Thaisa Araujo,14, afirma não ter medo de
viajar em um coletivo. Mas, de cara, diz que
não gosta da idéia de sentar em banco de
passageiro: "Acho estranho os caras ao
meu lado me cantando. Fora o banco, que
fica quente. É nojento", sentencia Thaisa,
que, assim como sua prima, Vanessa, só
andou de ônibus na Europa.
A imagem do banco suado tampouco sai
dos pensamentos de Marcella Maldonado,18. "Nunca andei sozinha, só com meu
namorado. Fico enjoada porque o ônibus
balança muito e não chego perto do encosto porque está melado de suor. E também
ponho meu cabelo de lado para não sujar."
A adolescente, que mora no mesmo bairro onde estuda, vai para a escola de condução: "Não agüento mais ouvir crianças da
5ª série cantando "Babalu" e "Califórnia'!
Mas, no fundo, gosto que a perua me leve,
sou preguiçosa!", ri Marcella. E justifica:
"Minha mãe sempre me protegeu muito e é
por isso que me sinto fragilizada. Tenho
medo de andar por aí, por seqüestro e assalto".
Roberto Walton, 18, também está terminando o terceiro colegial, e diz que já é hora
de começar a pensar em sua autonomia no
transporte.
"Um dos motivos por eu nunca ter andado de ônibus no Brasil é a questão econômica. Nunca precisei. Andei só em Cambridge, na Inglaterra, quando fui estudar
por um mês, mas isso não conta", diz Roberto, que dispõe de motorista.
"Tem um mês que fiz 18 anos e acho que
pegar ônibus faz parte da
minha independência. E
esse negócio de violência, acho que falam muito mais do que é. É só saber se cuidar, prestar
atenção por onde se anda", diz Roberto. "Por
outro lado, é nítido que o
Brasil se desenvolveu
mais para o uso do carro.
Seria muito mais fácil se
tivesse metrô com várias
linhas interligadas, por
exemplo", diz Roberto,
que assume que não faz
idéia de como usar o
ônibus. "Se soubesse,
usaria. Acho que ainda
está em tempo. Nem tudo está perdido!", diz.
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