São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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ÔNIBUS

Adolescentes que nunca andaram de ônibus sozinhos falam sobre o medo de subir no coletivo, mas apontam o transporte como sinônimo de mais liberdade e independência

Passageiros de primeira viagem

LUCRECIA ZAPPI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Nunca andei de ônibus, só em Paris, na Escócia e no País no Gales. Aqui tenho medo". Assim como Vanessa Arida,16, muitos adolescentes não se cansam de dizer que andar de ônibus no Brasil é perigoso. Por outro lado, este é o meio de transporte diário de milhares de jovens brasileiros, desde a escola até a balada.
"Acho que as pessoas estão delirando. Vêem muita novela com assalto em ônibus, e acabam criando a fantasia de que ônibus é problema. Mas só ter medo não adianta, a gente tem que se virar sozinho", diz Renata Gouvêa,13.
De tão pequena que era, Renata nem se lembra da única vez em que viajou em um coletivo, mas topou subir em um buzão com a reportagem do Folhateen para ir de sua casa, no bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo, até o shopping Iguatemi.
Escoltada pela irmã de 11 anos, Mariana, e pelo pai, que é ex-jogador de rugbi, mais a amiga Laura Lima, 13, que também levou o pai a tiracolo, Renata entrou em um ônibus que estava praticamente vazio e, dez minutos depois, já à entrada do shopping, classificou sua primeira vez de "tranqüila".
Segundo Renata, sua mãe não a deixa ir sozinha para lugar nenhum. "Nem de táxi. Ela fala que a violência está muito grande, e a gente vê na TV que o índice de seqüestros aumentou em São Paulo. Acho que ela exagera um pouco, mas concordo em parte com ela".
Enquanto Renata fala, Laura acena que sim com a cabeça e lembra que as mulheres são alvo mais fácil para assaltos, daí a proteção maior: "Quase todos os meninos na nossa classe pegam ônibus para voltar da escola. A gente [as mulheres] não pode fazer isso".
Mas Laura diz que o ônibus não pode ser estigmatizado como o "pára-raios da violência". "Eu tenho um pouco de medo, mas a gente tem que aprender a se virar, é chato depender dos outros", diz a adolescente.
Thaisa Araujo,14, afirma não ter medo de viajar em um coletivo. Mas, de cara, diz que não gosta da idéia de sentar em banco de passageiro: "Acho estranho os caras ao meu lado me cantando. Fora o banco, que fica quente. É nojento", sentencia Thaisa, que, assim como sua prima, Vanessa, só andou de ônibus na Europa.
A imagem do banco suado tampouco sai dos pensamentos de Marcella Maldonado,18. "Nunca andei sozinha, só com meu namorado. Fico enjoada porque o ônibus balança muito e não chego perto do encosto porque está melado de suor. E também ponho meu cabelo de lado para não sujar."
A adolescente, que mora no mesmo bairro onde estuda, vai para a escola de condução: "Não agüento mais ouvir crianças da 5ª série cantando "Babalu" e "Califórnia'! Mas, no fundo, gosto que a perua me leve, sou preguiçosa!", ri Marcella. E justifica: "Minha mãe sempre me protegeu muito e é por isso que me sinto fragilizada. Tenho medo de andar por aí, por seqüestro e assalto".
Roberto Walton, 18, também está terminando o terceiro colegial, e diz que já é hora de começar a pensar em sua autonomia no transporte.
"Um dos motivos por eu nunca ter andado de ônibus no Brasil é a questão econômica. Nunca precisei. Andei só em Cambridge, na Inglaterra, quando fui estudar por um mês, mas isso não conta", diz Roberto, que dispõe de motorista.
"Tem um mês que fiz 18 anos e acho que pegar ônibus faz parte da minha independência. E esse negócio de violência, acho que falam muito mais do que é. É só saber se cuidar, prestar atenção por onde se anda", diz Roberto. "Por outro lado, é nítido que o Brasil se desenvolveu mais para o uso do carro. Seria muito mais fácil se tivesse metrô com várias linhas interligadas, por exemplo", diz Roberto, que assume que não faz idéia de como usar o ônibus. "Se soubesse, usaria. Acho que ainda está em tempo. Nem tudo está perdido!", diz.

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