São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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Hip hop e basquete fazem Carnaval do luxo nos EUA

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Não são nem 10h e o saguão de entrada de um dos hotéis mais espetaculares de Los Angeles já está fervendo. "Escuta Aqui"" observa dezenas de clones de Jennifer Lopez, milionários do basquete, zilionários do rap, agregados, amigos, assessores e desocupados com boas relações. Centenas de pessoas entram e saem. É uma espécie de Carnaval negro e rico na Costa Oeste dos EUA.
Todo mundo parece famoso e todo mundo parece ter dinheiro de sobra. Gigantescos jipes Hummer, o modelo preferido da cena hip hop, fazem fila no serviço de manobristas do hotel. Os celulares mais cool e "high-tech" do Sistema Solar são acionados ininterruptamente.
Duas sósias de JLo conversam animadamente com um negro magro e baixo, que segura uma bolsa Louis Vuitton no ombro e traz uma pequena valise escura no outro braço. De repente, sai do elevador o que parece ser o time completo de basquete dos Los Angeles Lakers (alguns até usam o agasalho de ginástica do time -mas nunca se sabe se são mesmo "the real thing").
A turma do elevador vai direto falar com o baixinho, que abre a valise e revela seu conteúdo -jóias, ouro, mais ouro e relógios de dezenas de milhares de dólares. Tudo indica que ele é vendedor especializado nesse mercado -a suntuosa interseção entre os cenários do rap e do basquete americanos.
Ele vende muito, e rápido. As JLo vibram. Os grandões saem pelo lobby exibindo seus metais nobres.
Domingo retrasado foi o dia do All-Star Game, o jogo que reúne os melhores jogadores de basquete dos EUA. Neste ano, a partida aconteceu em Los Angeles. E foi por isso que, durante alguns dias, a metrópole do sul da Califórnia se transformou na capital negra norte-americana.
No Sunset Boulevard, em West Hollywood, hotéis como o Mondrian, o Grafton e o Standard sediaram festas black todas as noites. As filas de carros e de gente (99% negros) pareciam não ter fim. Por quatro ou cinco dias, Outkast foi a trilha sonora inescapável da vida angelena.
No centro da cidade, em ambientes menos luxuosos, o predomínio negro também era total. Sempre vestindo as camisas de seu time preferido, a galera black dos EUA dominava cafés, hotéis, bares e restaurantes em volta do Staples Center, o ginásio onde aconteceu o grande jogo.
Não há termo possível de comparação entre o hip hop brasileiro, notadamente paulistano, que tem forte viés político, de uma periferia em chamas.
Na América pós-industrial, dominada pelos serviços, o hip hop é só mais uma rota de ascensão social. Se tem algum conteúdo político, é o do "do it yourself", da autodeterminação e das infinitas possibilidades que se oferecem à vida em uma nação tão rica.
Mais do que nunca, voltei ao Brasil com a sensação não de que tinha embarcado em um avião convencional, que voa a 900 km/ h, mas sim em uma jornada einsteiniana, uma máquina que me depositou em alguma coordenada perdida do espaço-tempo. No passado, no Brasil.


Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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