São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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Aprendiz de mestre-cuca

Jefferson Coppola/Folha Imagem
O estudante de gastronomia Lucas Machado, 18, prepara molho


Na teoria ou na prática, interesse pela arte da gastronomia começa cedo

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

No panelão há quatro horas no fogo, um "sachet d'épices", composto por louro, alho, tomilho, cravo, pimenta e salsa, "mirepoix" (mistura de 50% de cebola, 25% de salsão e 25% de cenoura), restos de carcaça e de ossos de frango. Não é uma das bruxarias de Harry Potter, e sim o "fundo", uma espécie de caldo que servirá de base para outras receitas, preparado pelo estudante de gastronomia Lucas Machado, 18.
"Eu me divirto cozinhando", diz ele, paramentado com avental, chapéu e calça xadrez -a calça preta é só para os chefs. Hoje no segundo semestre do curso da Universidade Anhembi Morumbi, Lucas começou a se interessar pelo assunto quando tinha 15 anos, folheando livros de cozinha e inventando receitas. "Quando comecei o curso, minha mãe "desencanou" de cozinhar."
Lucas é um dos muitos jovens que gostam de fazer comida e enxergam na gastronomia não só um hobby mas também uma profissão. Os primeiros cursos superiores apareceram em 1999, mas a maioria surgiu de um ano e meio para cá. Nas aulas, os estudantes aprendem não só a cozinhar e a conhecer ingredientes exóticos como também a administrar estoque e gerenciar restaurantes.
"No início, a maioria dos estudantes era formada por pessoas de 30 a 40 anos. Hoje, a maior parte dos alunos vêm diretamente do ensino médio", avalia o chef-assistente do curso da Anhembi Morumbi, Lúcio Mauro de Oliveira.
Para estudantes e profissionais, tanto a teoria quanto a prática são essenciais. Lucas viu os dois lados da moeda: antes de começar o curso, trabalhou como ajudante de chef em um restaurante de São Paulo. "Eu não tinha a menor noção. Aí vi como funciona uma cozinha de verdade. Nas aulas, a gente conhece o que vai usar depois. Sempre que aprendo algo, já coloco em prática ao chegar em casa."
A estudante Marcela Jatene Bosisio, 18, que cursa gastronomia na UniFMU, sempre preferiu a prática à teoria. Vinda de família de médicos, desde criança pensava em estudar medicina. Depois, começou a fazer nutrição com o objetivo de atuar em gastronomia, mas não gostou do curso. "Era muito técnico."
Ao mesmo tempo em que fazia a faculdade, Marcela colocou a mão na massa: abriu com uma amiga uma empresa que produz docinhos e minibolos por encomenda. "Aí percebi que estava perdendo tempo estudando para provas e deixando de me aperfeiçoar no trabalho."
Fernando Rabello, 28, não estudou gastronomia, mas já é chef de cozinha de um bar tailandês em Florianópolis. Começou a atuar na área com 23 anos. Formado em turismo, foi morar na Austrália em 1999. Lá, trabalhou em um restaurante e numa pizzaria. "Comecei lavando louça e cheguei a assistente de chef."
Para ele, a teoria não faz falta. "É lógico que existem alguns problemas, como controle de estoque, utilização dos alimentos e das ferramentas de cozinha. Sem teoria, demora mais para aprender, mas sempre há alguém que ensina."
Um chef recém-formado ganha de R$ 800 a R$ 5.000, segundo profissionais do mercado. Já um chef renomado pode ganhar de R$ 15 mil a R$ 20 mil.
Apesar de oferecer boa remuneração, o investimento é pesado. O curso da Anhembi Morumbi, por exemplo, custa cerca de R$ 1.000 por mês. Isso sem falar nos gastos com instrumentos e aventais.
Mas os atrativos também são muitos, e o ambiente de trabalho é um deles. "É o que eu quero fazer na vida. Não ia ser feliz de terno", diz o estudante Fernão Kastrup Prates, 15, que já fez dois cursos rápidos de gastronomia. "Eu fui há algum tempo às cozinhas do Hotel Fasano e achei o astral muito legal. As pessoas brincam enquanto trabalham."
Tão novo quanto ele, Tito Paolone, 15, também se sente atraído pela descontração da cozinha. "Acho divertido, me anima." Ele aprendeu a cozinhar com a avó quando tinha seis anos. Nunca mais parou. Um número cada vez maior de jovens começa cedo como eles. E cada vez menos são só as meninas que brincam de cozinha.


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