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Bandos juvenis ocupam cidades e impõem terror a quem não faz parte da turma
Território inimigo
ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO
Eles vivem em favelas ou em casas de
Cohabs abarrotadas de parentes. Ouvem Racionais, usam drogas e andam armados. E matam. Delimitam seus territórios com pichações e grafites e agridem
quem os invade. Não são jovens da periferia das metrópoles, mas gangues de
adolescentes que vivem em pequenas cidades do interior de São Paulo, a maioria
com menos de 50 mil habitantes.
Elas são muitas, pelo menos 32 em 13
cidades, e crescem a cada dia, rasgando o
retrato do garoto jeca-tatu, o ingênuo do
interior, de timidez quase irritante, fã de
moda de viola e que tem como vício só o
cigarro de palha.
O fenômeno das gangues ganhou força
nos últimos quatro anos. Desde então,
pelo menos 20 pessoas já morreram vítimas de ataques desses grupos.
Em Franca, que foge do tamanho médio das demais cidades (tem cerca de 300
mil habitantes), a guerra entre as gangues fez triplicar o número de homicídios registrados nos primeiros quatro
meses deste ano, em comparação ao
mesmo período do ano passado. Neste
ano, 12 pessoas foram mortas -integrantes ou não das quatro gangues da cidade- contra quatro, em 2002.
Entre as vítimas de Franca está o metalúrgico Tiago dos Santos, 17, que foi confundido com um integrante de uma gangue rival e acabou morto a pauladas.
As armas mais utilizadas por essas turmas são revólveres calibre 38, mas há
grupos que utilizam pistolas semi-automáticas e até espingardas de grosso calibre. "A polícia, às vezes, até consegue tomar a arma deles, mas, no outro dia, estão armados até os dentes. Não sei como
conseguem, mas não faltam armas para
eles", afirmou a dona-de-casa de Morro
Agudo Jandira Oliveira Silva, 54. Seu filho Wagner de Oliveira, 28, está na cadeira de rodas vítima de um ataque de uma
das gangues da cidade.
Morro Agudo
Em Morro Agudo, com cerca de 25 mil
habitantes, existem duas gangues: a Carvalho -referência a um bairro de Ribeirão Preto conhecido por ser um
dos mais violentos- e a Vila.
A intolerância dessas turmas
dividiu literalmente a cidade em
duas. A linha imaginária dessa
divisão é a praça da igreja matriz -típico local de encontro
das cidades do interior. Não é
permitida a passagem de um
membro da Vila do lado de cima da igreja -dominado pelos
integrantes da Carvalho- ou
vice-versa.
Na cidade, ainda é viva a lembrança da morte de um casal
que tentou desafiar essa lei. O
caso chegou a ser lembrado como uma espécie de "Romeu e
Julieta" caipira. A estudante
Cláudia Duarte de Souza, 15,
que morava na região dominada pela gangue Carvalho, apaixonou-se por Carlos Jean da Silva, 17, integrante do grupo Vila.
O namoro secreto durou oito
meses até que, em maio de 1999,
Guiné, como era conhecido o
jovem, foi cercado por duas
pessoas quando levava a namorada para casa. Caiu morto com
um tiro no peito. Seis meses depois, após várias ameaças, Cláudia também foi morta.
Perfil
A maioria dos integrantes das
gangues é formada por adolescentes entre 14 e 17 anos. Bonés,
camisetas com imagens intimidadoras, bermudas ou calças
largas é a moda inconteste.
"Cagueta", "fita" e "jack" são
palavras que fazem parte do vocabulário desses jovens, herança de parentes ou dos ídolos que
vieram do sistema prisional.
"Cagueta", versão do alcaguete,
é o delator, o dedo-duro. "Fita" são as
ações realizadas por eles, entre furtos,
roubos e assassinatos.
No caso de "jack", há uma particularidade. São chamados assim os estupradores. No mundo do crime, essa denominação é inspirada num personagem famoso
de Londres do final do século 19. Trata-se
de Jack, o Estripador, confundido pelas
gangues e pelos bandidos em geral como
"estuprador".
A guerra entre as gangues está alicerçada em dois pilares: a venda e o consumo
de drogas e a demonstração de força e de
controle de território. "Aqui é humildade, mano. A gente só não gosta de talarico, cara que mexe com mulher de ladrão.
E cagueta. Cagueta tem de morrer, mano.
O resto é tudo irmandade", afirmou D.,
15, da gangue Favoritos, de Guará, com
menos de 19 mil habitantes. Nela, existem pelo menos três gangues: Thundercats, Favoritos, Furacão 2000. Para o professor de psicologia social da USP de Ribeirão Preto Sérgio Kodato, a violência
para esses grupos acaba sendo a única
forma de serem reconhecidos socialmente. "A violência para eles é poder", disse.
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