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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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Bandos juvenis ocupam cidades e impõem terror a quem não faz parte da turma

Território inimigo

ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO

Eles vivem em favelas ou em casas de Cohabs abarrotadas de parentes. Ouvem Racionais, usam drogas e andam armados. E matam. Delimitam seus territórios com pichações e grafites e agridem quem os invade. Não são jovens da periferia das metrópoles, mas gangues de adolescentes que vivem em pequenas cidades do interior de São Paulo, a maioria com menos de 50 mil habitantes.
Elas são muitas, pelo menos 32 em 13 cidades, e crescem a cada dia, rasgando o retrato do garoto jeca-tatu, o ingênuo do interior, de timidez quase irritante, fã de moda de viola e que tem como vício só o cigarro de palha.
O fenômeno das gangues ganhou força nos últimos quatro anos. Desde então, pelo menos 20 pessoas já morreram vítimas de ataques desses grupos.
Em Franca, que foge do tamanho médio das demais cidades (tem cerca de 300 mil habitantes), a guerra entre as gangues fez triplicar o número de homicídios registrados nos primeiros quatro meses deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. Neste ano, 12 pessoas foram mortas -integrantes ou não das quatro gangues da cidade- contra quatro, em 2002.
Entre as vítimas de Franca está o metalúrgico Tiago dos Santos, 17, que foi confundido com um integrante de uma gangue rival e acabou morto a pauladas.
As armas mais utilizadas por essas turmas são revólveres calibre 38, mas há grupos que utilizam pistolas semi-automáticas e até espingardas de grosso calibre. "A polícia, às vezes, até consegue tomar a arma deles, mas, no outro dia, estão armados até os dentes. Não sei como conseguem, mas não faltam armas para eles", afirmou a dona-de-casa de Morro Agudo Jandira Oliveira Silva, 54. Seu filho Wagner de Oliveira, 28, está na cadeira de rodas vítima de um ataque de uma das gangues da cidade.

Morro Agudo
Em Morro Agudo, com cerca de 25 mil habitantes, existem duas gangues: a Carvalho -referência a um bairro de Ribeirão Preto conhecido por ser um dos mais violentos- e a Vila.
A intolerância dessas turmas dividiu literalmente a cidade em duas. A linha imaginária dessa divisão é a praça da igreja matriz -típico local de encontro das cidades do interior. Não é permitida a passagem de um membro da Vila do lado de cima da igreja -dominado pelos integrantes da Carvalho- ou vice-versa.
Na cidade, ainda é viva a lembrança da morte de um casal que tentou desafiar essa lei. O caso chegou a ser lembrado como uma espécie de "Romeu e Julieta" caipira. A estudante Cláudia Duarte de Souza, 15, que morava na região dominada pela gangue Carvalho, apaixonou-se por Carlos Jean da Silva, 17, integrante do grupo Vila.
O namoro secreto durou oito meses até que, em maio de 1999, Guiné, como era conhecido o jovem, foi cercado por duas pessoas quando levava a namorada para casa. Caiu morto com um tiro no peito. Seis meses depois, após várias ameaças, Cláudia também foi morta.

Perfil
A maioria dos integrantes das gangues é formada por adolescentes entre 14 e 17 anos. Bonés, camisetas com imagens intimidadoras, bermudas ou calças largas é a moda inconteste.
"Cagueta", "fita" e "jack" são palavras que fazem parte do vocabulário desses jovens, herança de parentes ou dos ídolos que vieram do sistema prisional. "Cagueta", versão do alcaguete, é o delator, o dedo-duro. "Fita" são as ações realizadas por eles, entre furtos, roubos e assassinatos.
No caso de "jack", há uma particularidade. São chamados assim os estupradores. No mundo do crime, essa denominação é inspirada num personagem famoso de Londres do final do século 19. Trata-se de Jack, o Estripador, confundido pelas gangues e pelos bandidos em geral como "estuprador".
A guerra entre as gangues está alicerçada em dois pilares: a venda e o consumo de drogas e a demonstração de força e de controle de território. "Aqui é humildade, mano. A gente só não gosta de talarico, cara que mexe com mulher de ladrão. E cagueta. Cagueta tem de morrer, mano. O resto é tudo irmandade", afirmou D., 15, da gangue Favoritos, de Guará, com menos de 19 mil habitantes. Nela, existem pelo menos três gangues: Thundercats, Favoritos, Furacão 2000. Para o professor de psicologia social da USP de Ribeirão Preto Sérgio Kodato, a violência para esses grupos acaba sendo a única forma de serem reconhecidos socialmente. "A violência para eles é poder", disse.

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