São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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ESPORTE

Conheça a história de Lynne Cox, que aos 15 anos bateu o recorde mundial da travessia do canal da Mancha e saiu nadando pelo mundo

Aventuras na mancha

MARIO SERGIO CONTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com 15 anos, a americana Lynne Cox bateu o recorde mundial feminino de travessia do canal da Mancha. Um ano depois, ela bateu o recorde masculino na mesma travessia, que completou em 9h e 36min. Ela estava apenas no começo de uma aventura fora do comum.
Não há quem possa igualar Lynne Cox no nado de longa distância ao ar livre. Ao atravessar o estreito de Cook, na Nova Zelândia, perdeu-se por cinco horas, mas completou a prova. Foi a primeira a nadar o Estreito de Magalhães, um assustador cemitério de navios, e escapou por pouco de ser morta por tubarão ao dar a volta no cabo da Boa Esperança, na África do Sul.
Seu maior feito foi o de ter sido a primeira a cruzar o estreito de Bering, que separa os EUA da Rússia. Em 1987, foi do Alaska à Sibéria num mar cuja temperatura estava a 4C. Não contente, nadou na Antártida com a água a 2C -a dois graus da temperatura de congelamento- só de maiô.
Lynne Cox conta suas aventuras no livro "Swimming to Antarctica" (nadando para a Antártida), lançado nos EUA. Nele, ela conta suas aventuras nos mares do mundo inteiro, detalhando treinamento, dieta e a preparação meticulosa para vencer longos percursos e temperaturas enregelantes.
Ela tem o físico e o temperamento comuns aos nadadores de longa distância. É gorducha e atarracada. Anti-social e um pouco mais neurótica que a média. Ela só destoa da norma do nadador solitário, que no geral tende para o silêncio, por ter uma notável capacidade de expressão escrita.
Seu livro tem descrições de grande plasticidade dos infortúnios que o nadador de longa distância tem que enfrentar: o borrifo, o vento, as correntes traiçoeiras, a desorientação, a fadiga, o medo e, sobretudo, mais do que tudo, a dor. Nadar é sentir dor. Mas não só dor. Para determinado tipo de personalidade, nadar é simplesmente sentir -sentir algo, sentir-se vivo.
Um dos momentos mais belos do livro é quando a autora conta como descobriu que não era uma nadadora de piscina, e sim de provas em alto mar. Parece que ela está narrando a descoberta não de uma vocação, mas de um propósito na existência.
Das disputas de longa distância, Lynne passa para os desafios sozinha. E os desafios, auto-impostos, vão se tornando cada vez mais exasperantes. O mergulho na solidão da travessia corresponde a um incremento do número de auxiliares. Na Antártida, a nadadora é acompanhada por cerca de duas dezenas de especialistas, de médicos a navegadores e dietistas.
Paradoxalmente, quanto mais se expõe às agruras da natureza, mais a nadadora dela se afasta. Cercada de tecnologia de última geração, Lynne Cox vira uma cobaia humana de cientistas que querem medir o quanto um ser humano pode ser exposto ao frio.
Esse é mais que um livro de aventuras. Ele é o relato de uma moça que se descobriu. Que nadou rumo a si mesma.


Mario Sergio Conti é correspondente da Rádio e TV Bandeirantes em Paris e do site nomínimo.com e autor de "Notícias do Planalto" (Companhia das Letras)

SWIMMING TO ANTARCTICA - Autora: Lynne Cox. Editora: Alfred A. Knopf (Nova York, 1994). Onde encomendar: www.amazon.com



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