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ESPORTE
Conheça a história de Lynne Cox, que aos 15 anos bateu o recorde mundial da travessia do canal da Mancha e saiu nadando pelo mundo
Aventuras na mancha
MARIO SERGIO CONTI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com 15 anos, a americana Lynne Cox
bateu o recorde mundial feminino
de travessia do canal da Mancha.
Um ano depois, ela bateu o recorde masculino na mesma travessia, que completou
em 9h e 36min. Ela estava apenas no começo de uma aventura fora do comum.
Não há quem possa igualar Lynne Cox no
nado de longa distância ao ar livre. Ao atravessar o estreito de Cook, na Nova Zelândia, perdeu-se por cinco horas, mas completou a prova. Foi a primeira a nadar o Estreito de Magalhães, um assustador cemitério de navios, e escapou por pouco de ser
morta por tubarão ao dar a volta no cabo
da Boa Esperança, na África do Sul.
Seu maior feito foi o de ter sido a primeira
a cruzar o estreito de Bering, que separa os
EUA da Rússia. Em 1987, foi do Alaska à Sibéria num mar cuja temperatura estava a
4C. Não contente, nadou na Antártida
com a água a 2C -a dois graus da temperatura de congelamento- só de maiô.
Lynne Cox conta suas aventuras no livro
"Swimming to Antarctica" (nadando para
a Antártida), lançado nos EUA. Nele, ela
conta suas aventuras nos mares do mundo
inteiro, detalhando treinamento, dieta e a
preparação meticulosa para vencer longos
percursos e temperaturas enregelantes.
Ela tem o físico e o temperamento comuns aos nadadores de longa distância. É
gorducha e atarracada. Anti-social e um
pouco mais neurótica que a média. Ela só
destoa da norma do nadador solitário, que
no geral tende para o silêncio, por ter uma
notável capacidade de expressão escrita.
Seu livro tem descrições de grande plasticidade dos infortúnios que o nadador de
longa distância tem que enfrentar: o borrifo, o vento, as correntes traiçoeiras, a desorientação, a fadiga, o medo e, sobretudo,
mais do que tudo, a dor. Nadar é sentir dor.
Mas não só dor. Para determinado tipo de
personalidade, nadar é simplesmente sentir -sentir algo, sentir-se vivo.
Um dos momentos mais belos do livro é
quando a autora conta como descobriu que
não era uma nadadora de piscina, e sim de
provas em alto mar. Parece que ela está
narrando a descoberta não de uma vocação, mas de um propósito na existência.
Das disputas de longa distância, Lynne
passa para os desafios sozinha. E os desafios, auto-impostos, vão se tornando cada
vez mais exasperantes. O mergulho na solidão da travessia corresponde a um incremento do número de auxiliares. Na Antártida, a nadadora é acompanhada por cerca
de duas dezenas de especialistas, de médicos a navegadores e dietistas.
Paradoxalmente, quanto mais se expõe às
agruras da natureza, mais a nadadora dela
se afasta. Cercada de tecnologia de última
geração, Lynne Cox vira uma cobaia humana de cientistas que querem medir o quanto um ser humano pode ser exposto ao frio.
Esse é mais que um livro de aventuras. Ele
é o relato de uma moça que se descobriu.
Que nadou rumo a si mesma.
Mario Sergio Conti é correspondente da Rádio e TV
Bandeirantes em Paris e do site nomínimo.com e
autor de "Notícias do Planalto" (Companhia das Letras)
SWIMMING TO ANTARCTICA - Autora: Lynne Cox.
Editora: Alfred A. Knopf (Nova York, 1994). Onde
encomendar: www.amazon.com
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