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LITERATURA
Livro de Marisa Lajolo mostra por que vale a pena mergulhar na diversificada ficção brasileira e entender melhor o país
O que eles têm em comum?
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Ferréz é hip hop, gueto, mano e mina,
retrato da periferia, drogas, sexo,
sangue e violência. Clarice Lispector
(1925-1977) é burguesia carioca, introspecção, densidade, abismo, vertigem, Deus e a
barata.
O autor paulistano, de "Capão Pecado" e
"Manual Prático do Ódio", e a autora de "A
Paixão Segundo G.H." e "A Hora da Estrela" -que nasceu na Ucrânia, mas veio bebê para o Brasil- parecem tão diferentes
quanto água e vinho.
Mas, segundo a crítica literária Marisa
Lajolo, eles também têm semelhanças -e a
principal talvez seja que os dois constituem
excelente razão para a gente notar, ler e
apreciar o romance brasileiro.
Marisa mostra que literatura é diferente
daquela coisa chata de leitura obrigatória.
Em "Como e Por que Ler o Romance Brasileiro", ela confessa: "Leitora apaixonada, fã
de carteirinha, me envolvo com os romances de que gosto: curto, torço, rôo as unhas,
leio de novo um pedaço que tenha me agradado de forma particular".
Além dos escritores consagrados do passado, como Euclydes da Cunha e Machado
de Assis, ela inclui na sua análise vários livros e autores atuais. Na verdade, muitos
podem estar escrevendo suas obras no exato momento em que você lê esta resenha,
como Paulo Lins, de "Cidade de Deus"; Jô
Soares, de "O Xangô de Baker Street", Luiz
Ruffato, de "Eles Eram Muitos Cavalos" e, é
claro, Ferréz.
Lajolo também dá destaque às escritoras
e, mais uma vez, não examina apenas as
obras famosas de Clarice Lispector, Rachel
de Queiroz (de "Memorial de Maria Moura") ou Lygia Fagundes Telles (de "As Horas Nuas").
Uma curiosidade do livro, por exemplo, é
o fato de ele pôr em evidência duas autoras
do século 19, hoje desconhecidas. Uma delas é Ana Luíza de Azevedo Castro, que publicou o romance "Dona Narcisa de Villar"
(1859) sob o pseudônimo de Indígena do
Ypiranga.
Outra é Júlia Lopes de Almeida, que escreveu "A Falência", romance lançado em
1901, que mostra a cidade do Rio de Janeiro
de uma forma totalmente desglamourizada, às vezes feia mesmo, na qual as figuras
humanas não se conhecem pelos nomes,
mas pelas ocupações: o carroceiro, os carregadores etc.
Do sertão aos pampas
O romance brasileiro dá vida a todas as
regiões do país, dos canaviais de Pernambuco ao sertão de Minas Gerais, das fazendas da Bahia aos pampas gaúchos. Não está
apenas no interior, mas também nas cidades (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre), e representa todas os setores sociais
-da classe dominante às favelas.
Além disso, mergulha no tempo, trazendo para os nossos dias, como se fosse num
filme palpitante, lances que remetem à história nacional, como a condição dos negros
nas senzalas, a situação da mulher no Brasil
colonial e os conflitos durante a ditadura
militar das décadas de 1960 e 70.
Pois o que Lajolo sugere é que o romance,
ao contemplar tantos aspectos da vida brasileira, no fundo faz com que o leitor se
identifique com as histórias narradas.
"Além da história", acrescenta, "o leitor encontra nos bons romances a sua pessoa, em
torno da qual o romancista lança seu charme e tece suas teias".
Por isso Lajolo propõe que o leitor estufe
o peito, mire-se no espelho e exclame: "Eu,
sim, é que sou o herói do romance!". Quem
se habilita?
COMO E POR QUE LER O ROMANCE BRASILEIRO.
Análise de livros e de autores atuais e também de
clássicos da literatura brasileira. Autora: Marisa
Lajolo. Lançamento: editora Objetiva. Quanto: R$
31,90 (176 págs.)
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