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MODA
Desfilar para grifes famosas é o sonho de muitas garotas;
mas começar muito cedo pode trazer vários problemas
Entre o ursinho e a passarela
ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
No camarim de um desfile da SPFW
(São Paulo Fashion Week) na semana passada, aquela adrenalina
no ar: um monte de fotógrafos, jornalistas,
maquiadores, figurinistas e até massagistas
para aliviar a tensão das modelos. Sentadas
no chão, ao lado de mochilas e bolsas com
desenhos de bonequinhas, um grupo de
meninas, que poderia estar em qualquer
banco de shopping, dando risadinhas, trocando beijinhos e batendo papo. Atitude
bem diferente da que adotaram, poucos
minutos depois, ao pisar na passarela com
expressão séria e ar compenetrado, prontas
para enfrentar um batalhão de 200 fotógrafos e cinegrafistas.
No Brasil, é cada vez maior o número de meninas que mal entraram na adolescência e já sonham
em se transformar na próxima Gisele Bündchen, da mesma forma
que milhões de meninos querem
ser o próximo Ronaldinho. Para
tentar chegar lá, muitas começam
a dar duro nas passarelas com 13
ou 14 anos. O problema é que,
além de a vida de modelo não ser
tão fácil quanto parece, nem todas
as meninas já têm estrutura emocional para lidar com as pressões do chamado mundinho fashion. Os próprios fashionistas (pessoas que fazem a moda) concordam: é um mundo cruel.
"Eu, pessoalmente, fico com um pouco
de pena dessas meninas. Tenho dois filhos
adolescentes e, quando estou trabalhando
com alguma modelo de 13 anos, transporto
a maturidade que eles tinham nessa idade
para a cabeça delas. São crianças", diz Erika
Palomino, consultora de moda e colunista
da Folha. "Mas, aos 13, o corpo é mais durinho, não tem quadril, celulite. O mercado
se acostumou a absorver essas meninas,
principalmente no Brasil."
Nos EUA e em países da Europa, por
exemplo, as meninas começam a "modelar" aos 15 ou 16. Antes disso, há restrições
legais: elas só podem trabalhar em períodos
de férias ou então em jornadas reduzidas,
de quatro horas por dia.
Tirando o time restrito das supertop models (que trabalham até mais tarde, já na
categoria celebridades), a "vida útil" de
uma modelo é de cerca de dez a 15 anos. A
família, que enxerga na carreira uma possibilidade de ascensão social, muitas vezes
incentiva, inscrevendo a menina em concursos e a levando em agências.
"Elas vêem os concursos como uma
chance de virar Cinderela, como a "Porta da
Esperança'", explica Erika, referindo-se ao
antigo programa do SBT.
"A menina que se dá bem consegue ganhar em um dia o que o pai dela levaria a vida inteira para conseguir", diz Luiz Mattos,
booker da Ford Models em Nova York.
"Mas elas enfrentam muitas dificuldades
no início, principalmente as que vão morar
fora. Por isso é importante que os pais possam acompanhá-las. O maior problema é o
idioma. O trabalho também é muito estafante na época de lançamento das coleções.
Eu procuro levá-las para conhecer a cidade,
para que se divirtam. Todas adoram comprar bichinhos de pelúcia na loja da Disney.
O Mickey é o favorito."
Os milhares de "nãos" que as modelos
ouvem por dia -muitas vezes, "na lata"-
também não são nada agradáveis, principalmente para meninas que ainda estão desenvolvendo a personalidade e a auto-estima. "É preciso separar a pessoa física da
pessoa jurídica. A modelo não é uma pessoa, ela é contratada e rejeitada como um
produto. Se a rejeição é difícil para todo
mundo, imagine para uma menina de 13
anos?", diz a consultora de moda Costanza
Pascolato, autora de "Como Ser uma Modelo de Sucesso" (ed. Jaboticaba).
Além disso, essas meninas que, muitas
vezes, ainda nem "ficaram" com ninguém
precisam encarnar mulheres sedutoras na
passarela ou na frente da lente dos fotógrafos. "A sexualidade é a coisa mais complicada, pois ela tem de desempenhar um papel de mulher que ainda não é. Criança nenhuma tem estrutura para agüentar tanta
demanda de desejo sexual externo", explica a psicóloga Maria Beatriz Meirelles Leite,
que presta consultoria para agências de
modelos. Segundo ela, os problemas mais
comuns entre as modelos que atende são
ansiedade, depressão por ficar longe da família e tendência a distúrbios alimentares,
como anorexia e bulimia, por causa da
pressão do mercado pela magreza.
Nem todas agüentam segurar tanta barra. A modelo Shélega Bock, 16, da pequena
cidade de Carlos Barbosa (RS), veio para
São Paulo quando tinha 14 anos, mas não
conseguiu ficar mais do que uma semana.
"Era tudo muito diferente para mim. E
meu pai, que estava hospitalizado na época, era contra. Minha mãe também queria
que eu ficasse lá", conta. Dois anos depois,
ela está de volta: ficou entre as seis finalistas
do Supermodel Brazil, o concurso da Ford
Models, e participou de vários desfiles na
Fashion Rio e na SPFW. "Agora minha família está me apoiando e me sinto segura."
"Talvez elas levem mais porrada do que
se estivessem em casa vendo TV, mas, num
país com as carências do Brasil, a chance de
ganhar dinheiro, viajar e mudar de vida pode valer a pena", diz Erika Palomino.
"Mas é importante que elas trabalhem a
sua estrutura interna desde cedo", afirma
Luiz Mattos, da Ford. "O mundo da moda é
um pouco cruel. O que está na moda hoje
pode não estar amanhã. Inclusive elas."
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