São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

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MODA

Desfilar para grifes famosas é o sonho de muitas garotas; mas começar muito cedo pode trazer vários problemas

Entre o ursinho e a passarela

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

No camarim de um desfile da SPFW (São Paulo Fashion Week) na semana passada, aquela adrenalina no ar: um monte de fotógrafos, jornalistas, maquiadores, figurinistas e até massagistas para aliviar a tensão das modelos. Sentadas no chão, ao lado de mochilas e bolsas com desenhos de bonequinhas, um grupo de meninas, que poderia estar em qualquer banco de shopping, dando risadinhas, trocando beijinhos e batendo papo. Atitude bem diferente da que adotaram, poucos minutos depois, ao pisar na passarela com expressão séria e ar compenetrado, prontas para enfrentar um batalhão de 200 fotógrafos e cinegrafistas.
No Brasil, é cada vez maior o número de meninas que mal entraram na adolescência e já sonham em se transformar na próxima Gisele Bündchen, da mesma forma que milhões de meninos querem ser o próximo Ronaldinho. Para tentar chegar lá, muitas começam a dar duro nas passarelas com 13 ou 14 anos. O problema é que, além de a vida de modelo não ser tão fácil quanto parece, nem todas as meninas já têm estrutura emocional para lidar com as pressões do chamado mundinho fashion. Os próprios fashionistas (pessoas que fazem a moda) concordam: é um mundo cruel.
"Eu, pessoalmente, fico com um pouco de pena dessas meninas. Tenho dois filhos adolescentes e, quando estou trabalhando com alguma modelo de 13 anos, transporto a maturidade que eles tinham nessa idade para a cabeça delas. São crianças", diz Erika Palomino, consultora de moda e colunista da Folha. "Mas, aos 13, o corpo é mais durinho, não tem quadril, celulite. O mercado se acostumou a absorver essas meninas, principalmente no Brasil."
Nos EUA e em países da Europa, por exemplo, as meninas começam a "modelar" aos 15 ou 16. Antes disso, há restrições legais: elas só podem trabalhar em períodos de férias ou então em jornadas reduzidas, de quatro horas por dia.
Tirando o time restrito das supertop models (que trabalham até mais tarde, já na categoria celebridades), a "vida útil" de uma modelo é de cerca de dez a 15 anos. A família, que enxerga na carreira uma possibilidade de ascensão social, muitas vezes incentiva, inscrevendo a menina em concursos e a levando em agências.
"Elas vêem os concursos como uma chance de virar Cinderela, como a "Porta da Esperança'", explica Erika, referindo-se ao antigo programa do SBT.
"A menina que se dá bem consegue ganhar em um dia o que o pai dela levaria a vida inteira para conseguir", diz Luiz Mattos, booker da Ford Models em Nova York. "Mas elas enfrentam muitas dificuldades no início, principalmente as que vão morar fora. Por isso é importante que os pais possam acompanhá-las. O maior problema é o idioma. O trabalho também é muito estafante na época de lançamento das coleções. Eu procuro levá-las para conhecer a cidade, para que se divirtam. Todas adoram comprar bichinhos de pelúcia na loja da Disney. O Mickey é o favorito."
Os milhares de "nãos" que as modelos ouvem por dia -muitas vezes, "na lata"- também não são nada agradáveis, principalmente para meninas que ainda estão desenvolvendo a personalidade e a auto-estima. "É preciso separar a pessoa física da pessoa jurídica. A modelo não é uma pessoa, ela é contratada e rejeitada como um produto. Se a rejeição é difícil para todo mundo, imagine para uma menina de 13 anos?", diz a consultora de moda Costanza Pascolato, autora de "Como Ser uma Modelo de Sucesso" (ed. Jaboticaba).
Além disso, essas meninas que, muitas vezes, ainda nem "ficaram" com ninguém precisam encarnar mulheres sedutoras na passarela ou na frente da lente dos fotógrafos. "A sexualidade é a coisa mais complicada, pois ela tem de desempenhar um papel de mulher que ainda não é. Criança nenhuma tem estrutura para agüentar tanta demanda de desejo sexual externo", explica a psicóloga Maria Beatriz Meirelles Leite, que presta consultoria para agências de modelos. Segundo ela, os problemas mais comuns entre as modelos que atende são ansiedade, depressão por ficar longe da família e tendência a distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia, por causa da pressão do mercado pela magreza.
Nem todas agüentam segurar tanta barra. A modelo Shélega Bock, 16, da pequena cidade de Carlos Barbosa (RS), veio para São Paulo quando tinha 14 anos, mas não conseguiu ficar mais do que uma semana. "Era tudo muito diferente para mim. E meu pai, que estava hospitalizado na época, era contra. Minha mãe também queria que eu ficasse lá", conta. Dois anos depois, ela está de volta: ficou entre as seis finalistas do Supermodel Brazil, o concurso da Ford Models, e participou de vários desfiles na Fashion Rio e na SPFW. "Agora minha família está me apoiando e me sinto segura."
"Talvez elas levem mais porrada do que se estivessem em casa vendo TV, mas, num país com as carências do Brasil, a chance de ganhar dinheiro, viajar e mudar de vida pode valer a pena", diz Erika Palomino.
"Mas é importante que elas trabalhem a sua estrutura interna desde cedo", afirma Luiz Mattos, da Ford. "O mundo da moda é um pouco cruel. O que está na moda hoje pode não estar amanhã. Inclusive elas."


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