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estréia
Toni Garrido é semideus em "Orfeu"
FÁTIMA GIGLIOTTI
da Reportagem Local
RODRIGO DIONISIO
free-lance para a Folha
Toni Garrido, o vocalista do Cidade Negra, estréia como protagonista em "Orfeu", novo longa-metragem de Cacá Diegues, ("Bye Bye
Brasil"). Ele empresta voz, charme
e talento ao personagem-título do
filme, um sonho acalentado pelo
diretor desde 1956, quando viu a
peça "Orfeu da Conceição", de Vinicius de Moraes.
A peça narra a história do mito
grego Orfeu, semideus, poeta e
músico que foi ao inferno em busca da amada Eurídice, adaptada
para o cenário carioca.
Mas o francês Marcel Camus foi
mais rápido, ganhou a Palma de
Ouro no Festival de Cannes de
1959 e o Oscar de Filme Estrangeiro com "Orfeu Negro", ajudado
pelas canções de Vinicius, Tom Jobim, Luiz Bonfá e Antônio Maria.
Diegues insistiu e fez o seu "Orfeu", uma grata surpresa. Atualizou a peça e fez um retrato lírico e
bem brasileiro de uma história de
amor universal, em meio à favela e
ao Carnaval cariocas.
Para isso, conta com a estonteante fotografia de Affonso Beato, o
trunfo da trilha sonora (veja texto
ao lado) e o carisma de Toni Garrido, que falou à Folha sobre a participação na trilha e em "Orfeu".
Folha - O que pintou primeiro, o
cantor ou o ator?
Toni Garrido - O ator. Com 12
anos, já estava rolando essa história de teatro. Com 16, comecei a fazer comercial, aos 18 fiz a oficina
de atores da Globo, depois participei de três filmes. Só comecei a
cantar porque fui fazer teatro, o
grupo montou uma ópera-rock,
conheci músicos e montei banda.
Mas nunca me afastei do teatro
porque me faz bem.
Folha - Orfeu é poeta, músico e
cantor, como você. Como foi trabalhar essa afinidade com o papel?
Toni Garrido - Prefiro falar das
minhas diferenças com Orfeu, foi
nelas que trabalhei mais. Um
exemplo: mesmo quando ele está
pressionado, sente-se tão seguro
-é um semideus- que reage com
enorme tranquilidade, mantém a
voz grave. Eu não deixo para amanhã, pintou problema eu levanto o
vozeirão, apelo para o volume alto,
para o timbre agudo.
Precisei fazer fonoaudiologia para trabalhar essas diferenças. Eu
dou para o Orfeu minha sensibilidade musical e a crença de que a
arte transforma. Mas não me exponho como ele, não toco, não faço
canções românticas, até hoje só fiz
uma para a minha mulher.
Folha - Orfeu é um mito, paira sobre os outros personagens. Como
você conseguiu esse efeito?
Garrido - Eu só tentei dar corpo e
representar o personagem que o
Cacá tinha imaginado, ele contava
muito com a minha sensibilidade
para decodificar o que estava na
cabeça dele, eu tentei lhe dar esse
presente para retribuir o Orfeu.
Folha - Você disse que queria
participar do filme nem que fosse
para entregar uma carta. Por quê?
Garrido - Eu sinto falta de produtos culturais com os quais o mercado consumidor negro se identifique e "Orfeu" cumpre esse papel.
Folha - Como foi cantar bossa nova e samba-enredo, já que você
contou que se policiou para não
sair dançando reggae no filme?
Garrido - A minha história musical é feita de Clara Nunes, Elis,
Martinho da Vila, soul e funk brasileiro, Cassiano, Earth, Wind and
Fire, Stevie Wonder. Sou do subúrbio, era o que chegava lá. De outubro a fevereiro, a gente ouvia samba, o resto era baile black.
Nos discos eu uso tudo isso para
criar, mas no filme, e com a direção
musical do Caetano, eu tinha um
compromisso com a qualidade, a
trilha do primeiro filme é linda. Eu
tive de cantar no estúdio, colocar a
voz na canção do personagem, é
você cantando, mas também é filme, foi muita responsabilidade.
Folha - Você participou da escolha das músicas do filme?
Garrido - O Cacá e o Caetano
montaram a trilha com as opiniões
de todos. Há samba, hip hop, funk,
mais a bossa nova do "Orfeu" original e as músicas da primeira versão da peça do Vinicius. É a cara do
Rio, a mãe ouve Roberto Carlos, e
o filho vai a baile funk.
Folha - E a sequência com "Jorge
de Capadócia", com os Racionais?
Garrido - É um grande momento
do filme. O policial dá um tapa na
cara de um garoto, Orfeu vira de
costas, e ele pergunta: "Por que você não sai dessa, Orfeu?". Ele encara o policial, sorri e vai embora
sem dizer nada. E se ouve ao fundo: "Ogum, iê!". Fico arrepiado só
de lembrar.
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