São Paulo, Segunda-feira, 26 de Abril de 1999
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estréia
Toni Garrido é semideus em "Orfeu"

FÁTIMA GIGLIOTTI
da Reportagem Local

RODRIGO DIONISIO
free-lance para a Folha

Toni Garrido, o vocalista do Cidade Negra, estréia como protagonista em "Orfeu", novo longa-metragem de Cacá Diegues, ("Bye Bye Brasil"). Ele empresta voz, charme e talento ao personagem-título do filme, um sonho acalentado pelo diretor desde 1956, quando viu a peça "Orfeu da Conceição", de Vinicius de Moraes.
A peça narra a história do mito grego Orfeu, semideus, poeta e músico que foi ao inferno em busca da amada Eurídice, adaptada para o cenário carioca.
Mas o francês Marcel Camus foi mais rápido, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1959 e o Oscar de Filme Estrangeiro com "Orfeu Negro", ajudado pelas canções de Vinicius, Tom Jobim, Luiz Bonfá e Antônio Maria.
Diegues insistiu e fez o seu "Orfeu", uma grata surpresa. Atualizou a peça e fez um retrato lírico e bem brasileiro de uma história de amor universal, em meio à favela e ao Carnaval cariocas.
Para isso, conta com a estonteante fotografia de Affonso Beato, o trunfo da trilha sonora (veja texto ao lado) e o carisma de Toni Garrido, que falou à Folha sobre a participação na trilha e em "Orfeu".

Folha - O que pintou primeiro, o cantor ou o ator?
Toni Garrido -
O ator. Com 12 anos, já estava rolando essa história de teatro. Com 16, comecei a fazer comercial, aos 18 fiz a oficina de atores da Globo, depois participei de três filmes. Só comecei a cantar porque fui fazer teatro, o grupo montou uma ópera-rock, conheci músicos e montei banda. Mas nunca me afastei do teatro porque me faz bem.
Folha - Orfeu é poeta, músico e cantor, como você. Como foi trabalhar essa afinidade com o papel?
Toni Garrido -
Prefiro falar das minhas diferenças com Orfeu, foi nelas que trabalhei mais. Um exemplo: mesmo quando ele está pressionado, sente-se tão seguro -é um semideus- que reage com enorme tranquilidade, mantém a voz grave. Eu não deixo para amanhã, pintou problema eu levanto o vozeirão, apelo para o volume alto, para o timbre agudo.
Precisei fazer fonoaudiologia para trabalhar essas diferenças. Eu dou para o Orfeu minha sensibilidade musical e a crença de que a arte transforma. Mas não me exponho como ele, não toco, não faço canções românticas, até hoje só fiz uma para a minha mulher.
Folha - Orfeu é um mito, paira sobre os outros personagens. Como você conseguiu esse efeito?
Garrido -
Eu só tentei dar corpo e representar o personagem que o Cacá tinha imaginado, ele contava muito com a minha sensibilidade para decodificar o que estava na cabeça dele, eu tentei lhe dar esse presente para retribuir o Orfeu.
Folha - Você disse que queria participar do filme nem que fosse para entregar uma carta. Por quê?
Garrido -
Eu sinto falta de produtos culturais com os quais o mercado consumidor negro se identifique e "Orfeu" cumpre esse papel.
Folha - Como foi cantar bossa nova e samba-enredo, já que você contou que se policiou para não sair dançando reggae no filme?
Garrido -
A minha história musical é feita de Clara Nunes, Elis, Martinho da Vila, soul e funk brasileiro, Cassiano, Earth, Wind and Fire, Stevie Wonder. Sou do subúrbio, era o que chegava lá. De outubro a fevereiro, a gente ouvia samba, o resto era baile black.
Nos discos eu uso tudo isso para criar, mas no filme, e com a direção musical do Caetano, eu tinha um compromisso com a qualidade, a trilha do primeiro filme é linda. Eu tive de cantar no estúdio, colocar a voz na canção do personagem, é você cantando, mas também é filme, foi muita responsabilidade.
Folha - Você participou da escolha das músicas do filme?
Garrido -
O Cacá e o Caetano montaram a trilha com as opiniões de todos. Há samba, hip hop, funk, mais a bossa nova do "Orfeu" original e as músicas da primeira versão da peça do Vinicius. É a cara do Rio, a mãe ouve Roberto Carlos, e o filho vai a baile funk.
Folha - E a sequência com "Jorge de Capadócia", com os Racionais?
Garrido -
É um grande momento do filme. O policial dá um tapa na cara de um garoto, Orfeu vira de costas, e ele pergunta: "Por que você não sai dessa, Orfeu?". Ele encara o policial, sorri e vai embora sem dizer nada. E se ouve ao fundo: "Ogum, iê!". Fico arrepiado só de lembrar.


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