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São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2003

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Publicidade abusa da imagem do jovem, que serve para vender qualquer produto

O ALVO É VOCÊ

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Você pode até pensar que sim, mas não é à toa que Gisele Bündchen e Rodrigo Santoro são os garotos-propaganda do Credicard, que Marcelo D2 fez um show para promover uma marca de roupas na loja de patricinhas Daslu e que Charlie Brown Jr. é a banda queridinha da Coca-Cola. Tem mais: a TIM engoliu o finado Free Jazz Festival e está agitando a cena de shows internacionais no Brasil, a Skol -depois do sucesso do Skol Beats, seu evento eletrônico que virou até cerveja- aposta agora no hip hop e no rock, a Nova Schin mal foi lançada e já promove um torneio de surf e a Red Bull tem um campeonato renomado de skate.
Se você viu algo familiar nessas campanhas e eventos, não está maluco: todas elas querem falar diretamente com o jovem e, para isso, se apropriaram da atitude, dos sons, dos esportes, da linguagem e dos ícones admirados pela juventude brasileira para chegar mais perto do universo adolescente. A conclusão é só uma: você é o público-alvo. Ou, na linguagem especializada, o target.
"Tenho uma só coisa para falar a respeito desse target: congestionamento", brinca Rita Almeida, diretora de planejamento da agência de publicidade Almap/BBDO. "O jovem é um público 100% importante hoje, aquele que todo mundo deseja. Além de ter um poder de consumo crescente, ele exerce uma grande influência no consumo de sua família", explica. "Com o fenômeno da mãe, da dona-de-casa, passar a trabalhar fora, as crianças ganharam mais liberdade. Quando elas viraram adolescentes, começaram a se comportar como adultos em termos de decisão e de consumo."
"O jovem é o mercado atual e o futuro. É onde você vai plantar uma semente para que ele compre mais futuramente", avalia Luciane Robic, professora de marketing da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). "Até os bancos têm campanhas para jovens hoje."
Para Cláudio Felisoni de Ângelo, coordenador do Programa de Administração de Varejo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, essa corrida pelo mercado jovem começou em 1994, com a queda da inflação.
"O jovem, assim como outros segmentos de baixa renda da sociedade, ganhou poder de compra nessa época", explica. "Como o jovem de hoje já cresceu com uma melhor percepção do valor dos produtos que adquire, as agências têm de se desdobrar para ganhá-lo."
Para isso, os marqueteiros precisaram fazer um raio-X dos hábitos e do comportamento jovem. Baseados em muitas pesquisas, eles escanearam várias tribos e sabem de cor o que toda uma geração supostamente pensa, gosta e faz. "A vida da propaganda é estudar o jovem como principal referência", admite Almeida.

Novo referencial
Tanta badalação publicitária em cima do jovem acabou mudando a cara das campanhas. "Tudo ficou absurdamente mais jovem. A grande ginástica é conseguir falar com o jovem naturalmente, entendendo sua cultura", afirma Almeida (leia texto à pág. 6).
"Para transmitir sua mensagem a um grupo, a publicidade tem necessariamente de se apropriar de todos os seus códigos, referências e ícones", revela Sérgio Godinho, diretor de criação da agência África. "Muitas vezes, pinceladas desses ícones e referências acabam sendo utilizados em campanhas para outros públicos, exatamente em busca de um frescor ou da modernização da marca."
Vale dizer então que, além de o jovem ser público-alvo, a sua própria cultura, rebelde e "alternativa", virou recurso para ajudar na comercialização de produtos e de serviços. Virou lugar-comum.

Experiência
Quando, na publicidade, o assunto é jovem, o conceito de experiência é a alma do negócio. Por isso, as grandes marcas martelam seus valores em comerciais para depois convidarem o jovem a experimentá-los em megaeventos de cultura, esporte e interação (ou, de preferência, de tudo isso junto) patrocinados por elas.
"A comunicação tradicional, de um bom filme publicitário, não é mais tão importante. Esses eventos, que promovem experiências com a marca, acontecem em ambientes em que os jovens estão muito expostos aos produtos", explica Robic. "Na hora de optar, o jovem preferirá o produto cuja marca lhe proporcionou uma experiência positiva."
Ou seja, todo mundo quer ficar bem na fita com o jovem para arrematar mais consumidores e, o melhor, aqueles que ainda têm uma vida inteirinha pela frente para comprar, comprar e comprar.

Vazio
A construção desse mundo de fantasia, onde tudo é perfeito, atraente e pisca por todos os lugares para onde o jovem olha, produz diferentes opiniões entre a juventude. Há quem adore o colorido da publicidade. Há quem desconfie, atento a seu poder manipulador (leia texto ao lado).
"O principal efeito da pressão pelo consumo, sobretudo a que se utiliza de imagens da juventude ligadas à rebeldia e à transgressão, produzem entre os jovens um enorme conformismo, já que não há nenhum gesto de rebeldia que não seja transformado em norma pela publicidade. Do conformismo a uma certa depressão, é só um passo. Muitos jovens, hoje, queixam-se de vazio, de falta de perspectivas", avalia a psicanalista Maria Rita Kehl. "O espaço para a manifestação da rebeldia jovem reduz-se à escolha da grife, da cerveja, do carro: atos de compra. O jovem contestador é um segmento do mercado, como os mauricinhos de shopping center e os viciados em videogame. Parece que todas as escolhas de vida convergem para o shopping center: o que muda é a marca que você vai escolher."



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