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Publicidade abusa da imagem do jovem, que serve para vender qualquer produto
O ALVO É VOCÊ
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Você pode até pensar que sim, mas não
é à toa que Gisele Bündchen e Rodrigo
Santoro são os garotos-propaganda do
Credicard, que Marcelo D2 fez um show
para promover uma marca de roupas na
loja de patricinhas Daslu e que Charlie
Brown Jr. é a banda queridinha da Coca-Cola. Tem mais: a TIM engoliu o finado
Free Jazz Festival e está agitando a cena
de shows internacionais no Brasil, a Skol
-depois do sucesso do Skol Beats, seu
evento eletrônico que virou até cerveja-
aposta agora no hip hop e no rock, a Nova Schin mal foi lançada e já promove
um torneio de surf e a Red Bull tem um
campeonato renomado de skate.
Se você viu algo familiar nessas campanhas e eventos, não está maluco: todas
elas querem falar diretamente com o jovem e, para isso, se apropriaram da atitude, dos sons, dos esportes, da linguagem
e dos ícones admirados pela juventude
brasileira para chegar mais perto do universo adolescente. A conclusão é só uma:
você é o público-alvo. Ou, na linguagem
especializada, o target.
"Tenho uma só coisa para falar a respeito desse target: congestionamento",
brinca Rita Almeida, diretora de planejamento da agência de publicidade Almap/BBDO. "O jovem é um público
100% importante hoje, aquele que todo mundo deseja. Além de ter um poder de
consumo crescente, ele exerce uma grande influência no consumo de sua família", explica. "Com o fenômeno da mãe,
da dona-de-casa, passar a trabalhar fora,
as crianças ganharam mais liberdade.
Quando elas viraram adolescentes, começaram a se comportar como adultos
em termos de decisão e de consumo."
"O jovem é o mercado atual e o futuro.
É onde você vai plantar uma semente para que ele compre mais futuramente",
avalia Luciane Robic, professora de marketing da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). "Até os bancos
têm campanhas para jovens hoje."
Para Cláudio Felisoni de Ângelo, coordenador do Programa de Administração
de Varejo da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da USP,
essa corrida pelo mercado jovem começou em 1994, com a queda da inflação.
"O jovem, assim como outros segmentos de baixa renda da sociedade, ganhou
poder de compra nessa época", explica.
"Como o jovem de hoje já cresceu com
uma melhor percepção do valor dos produtos que adquire, as agências têm de se
desdobrar para ganhá-lo."
Para isso, os marqueteiros precisaram
fazer um raio-X dos hábitos e do comportamento jovem. Baseados em muitas
pesquisas, eles escanearam várias tribos e
sabem de cor o que toda uma geração supostamente pensa, gosta e faz. "A vida da
propaganda é estudar o jovem como
principal referência", admite Almeida.
Novo referencial
Tanta badalação publicitária em cima
do jovem acabou mudando a cara das
campanhas. "Tudo ficou absurdamente
mais jovem. A grande ginástica é conseguir falar com o jovem naturalmente, entendendo sua cultura", afirma Almeida
(leia texto à pág. 6).
"Para transmitir sua mensagem a um
grupo, a publicidade tem necessariamente de se apropriar de todos os seus códigos, referências e ícones", revela Sérgio
Godinho, diretor de criação da agência
África. "Muitas vezes, pinceladas desses
ícones e referências acabam sendo utilizados em campanhas para outros públicos, exatamente em busca de um frescor
ou da modernização da marca."
Vale dizer então que, além de o jovem
ser público-alvo, a sua própria cultura,
rebelde e "alternativa", virou recurso para ajudar na comercialização de produtos
e de serviços. Virou lugar-comum.
Experiência
Quando, na publicidade, o assunto é jovem, o conceito de experiência é a alma
do negócio. Por isso, as grandes marcas
martelam seus valores em comerciais para depois convidarem o jovem a experimentá-los em megaeventos de cultura,
esporte e interação (ou, de preferência,
de tudo isso junto) patrocinados por elas.
"A comunicação tradicional, de um
bom filme publicitário, não é mais tão
importante. Esses eventos, que promovem experiências com a marca, acontecem em ambientes em que os jovens estão muito expostos aos produtos", explica Robic. "Na hora de optar, o jovem preferirá o produto cuja marca lhe proporcionou uma experiência positiva."
Ou seja, todo mundo quer ficar bem na
fita com o jovem para arrematar mais
consumidores e, o melhor, aqueles que
ainda têm uma vida inteirinha pela frente
para comprar, comprar e comprar.
Vazio
A construção desse mundo de fantasia,
onde tudo é perfeito, atraente e pisca por
todos os lugares para onde o jovem olha,
produz diferentes opiniões entre a juventude. Há quem adore o colorido da publicidade. Há quem desconfie, atento a seu
poder manipulador (leia texto ao lado).
"O principal efeito da pressão pelo consumo, sobretudo a que se utiliza de imagens da juventude ligadas à rebeldia e à
transgressão, produzem entre os jovens
um enorme conformismo, já que não há
nenhum gesto de rebeldia que não seja
transformado em norma pela publicidade. Do conformismo a uma certa depressão, é só um passo. Muitos jovens, hoje,
queixam-se de vazio, de falta de perspectivas", avalia a psicanalista Maria Rita
Kehl. "O espaço para a manifestação da
rebeldia jovem reduz-se à escolha da grife, da cerveja, do carro: atos de compra. O
jovem contestador é um segmento do
mercado, como os mauricinhos de shopping center e os viciados em videogame.
Parece que todas as escolhas de vida convergem para o shopping center: o que
muda é a marca que você vai escolher."
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