São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002
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QUÍMICA

Quando as moléculas se olham ao espelho

LUÍS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A talidomida foi um tranqüilizante muito usado nos anos 50 e 60. Antes de ser comercializada, passou por diversos testes para que fosse verificado se sua utilização seria segura. Aprovada na Europa, começou a ser prescrita sobretudo a mulheres grávidas, já que também combatia enjôos.
Chegou a ser vendida na Alemanha sem a necessidade de receita. Mas, infelizmente, os testes realizados naquela época foram insuficientes para detectar efeitos colaterais que se revelariam assustadores: milhares de bebês nasceram com braços e mãos, pernas e pés muito atrofiados ou mesmo ausentes. Supõe-se que a talidomida tomada por gestantes atue sobre o embrião entre quatro e oito semanas de seu desenvolvimento, exatamente quando esses membros estão se formando.
Hoje em dia, sabe-se que a talidomida é, na realidade, uma mistura de duas substâncias muito semelhantes, chamadas de enantiômeros. A fórmula dessas duas substâncias é a mesma (C13H10O4N2), mas suas estruturas são levemente diferentes. Uma difere da outra da mesma maneira que a mão direita difere da mão esquerda. É como se uma fosse a imagem da outra no espelho. A sutil diferença entre elas muda muito seus efeitos. No caso do aromatizante limoneno, por exemplo, uma das imagens tem cheiro de limão; a outra, cheiro de laranja!
Em termos de efeitos fisiológicos, é muito comum que uma imagem tenha o efeito desejado e a outra cause danos à saúde. A molécula 3-cloro-1,2-propanodiol, por exemplo, tem uma imagem com efeito anticoncepcional, já a outra é tóxica.
No caso da talidomida, apenas a "molécula mão direita" é teratogênica (do grego "teras", monstro), ou seja, causa deformidades no bebê. Portanto tudo poderia ter acabado bem se só a "molécula mão esquerda" tivesse sido comercializada. No entanto isso seria muito difícil, pois as duas imagens são normalmente produzidas juntas e separá-las é uma tarefa bem complicada.
O japonês Ryoji Noyori, da Universidade de Nagoya, e os americanos William Knowles, químico aposentado, e K.Barry Sharpless, do Instituto de Pesquisa Scripps, resolveram esse problema para a indústria farmacêutica. Eles criaram catalisadores que levam especificamente à produção de uma só das imagens em casos semelhantes ao da talidomida. Por esse feito, ganharam o Prêmio Nobel de Química de 2001.


Luís Fernando Pereira é professor do curso Intergraus e coordenador de química do sistema Uno/Moderna. E-mail: lula5@ig.com.br


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