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QUÍMICA
Quando as moléculas se olham ao espelho
LUÍS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A talidomida foi um tranqüilizante muito usado nos anos 50
e 60. Antes de ser comercializada,
passou por diversos testes para
que fosse verificado se sua utilização seria segura. Aprovada na Europa, começou a ser prescrita sobretudo a mulheres grávidas, já
que também combatia enjôos.
Chegou a ser vendida na Alemanha sem a necessidade de receita.
Mas, infelizmente, os testes realizados naquela época foram insuficientes para detectar efeitos colaterais que se revelariam assustadores: milhares de bebês nasceram com braços e mãos, pernas e
pés muito atrofiados ou mesmo
ausentes. Supõe-se que a talidomida tomada por gestantes atue
sobre o embrião entre quatro e oito semanas de seu desenvolvimento, exatamente quando esses
membros estão se formando.
Hoje em dia, sabe-se que a talidomida é, na realidade, uma mistura de duas substâncias muito
semelhantes, chamadas de enantiômeros. A fórmula dessas duas
substâncias é a mesma
(C13H10O4N2), mas suas estruturas
são levemente diferentes. Uma difere da outra da mesma maneira
que a mão direita difere da mão
esquerda. É como se uma fosse a
imagem da outra no espelho. A
sutil diferença entre elas muda
muito seus efeitos. No caso do
aromatizante limoneno, por
exemplo, uma das imagens tem
cheiro de limão; a outra, cheiro de
laranja!
Em termos de efeitos fisiológicos, é muito comum que uma
imagem tenha o efeito desejado e
a outra cause danos à saúde. A
molécula 3-cloro-1,2-propanodiol, por exemplo, tem uma imagem com efeito anticoncepcional,
já a outra é tóxica.
No caso da talidomida, apenas a
"molécula mão direita" é teratogênica (do grego "teras", monstro), ou seja, causa deformidades
no bebê. Portanto tudo poderia
ter acabado bem se só a "molécula
mão esquerda" tivesse sido comercializada. No entanto isso seria muito difícil, pois as duas imagens são normalmente produzidas juntas e separá-las é uma tarefa bem complicada.
O japonês Ryoji Noyori, da Universidade de Nagoya, e os americanos William Knowles, químico
aposentado, e K.Barry Sharpless,
do Instituto de Pesquisa Scripps,
resolveram esse problema para a
indústria farmacêutica. Eles criaram catalisadores que levam especificamente à produção de uma
só das imagens em casos semelhantes ao da talidomida. Por esse
feito, ganharam o Prêmio Nobel
de Química de 2001.
Luís Fernando Pereira é professor do curso Intergraus e coordenador de química do sistema Uno/Moderna. E-mail: lula5@ig.com.br
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