São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004
  Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GRAMÁTICA

O critério na linguagem é a adequação

ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA

A atriz estava sendo entrevistada. A uma pergunta ou comentário do entrevistador, ela responde: "Quando você tem o apoio do marido durante a gravidez, você pode...". Todo mundo entendeu e, provavelmente, só os mais exigentes estranharam.
Isolada, porém, do contexto, e fora da situação em que foi proferida, a frase oferece motivo de estranheza. O entrevistador tem marido? Pode engravidar? Tudo por causa daquele você.
É comum, nos vestibulares, a banca transcrever uma frase desse tipo e pedir duas operações para testar competências: a) indicar traços de coloquialidade; b) reescrever a frase segundo as exigências da norma culta.
O pressuposto é que a língua não é uma entidade homogênea. Existem as variantes lingüísticas e existem os níveis de linguagem, cada um com suas características próprias. Não é difícil perceber diferenças no modo de falar o português em diversos países (Brasil, Portugal, Angola) e em diversas regiões do mesmo país. Há também variações que se verificam em função do tempo. Compare-se, por exemplo, o português de um soneto de Camões com o de um poema de Arnaldo Antunes. O português se modifica, também, em função do nível social do falante, ou da situação em que se faz uso da língua.
A questão é de adequação. Numa situação em que se espera uma linguagem formal, é inadequado usar palavras ou expressões que pertencem a outro nível de linguagem, como a gíria.
A finalidade do vestibular é verificar, em primeiro lugar, o domínio que o candidato tem da modalidade de linguagem chamada de padrão culto do português escrito contemporâneo. O que se quer saber é se o candidato domina esse dialeto privilegiado chamado norma culta.
Isso não significa preconceito em relação aos outros níveis de linguagem. Pelo contrário. Espera-se que o candidato, além do domínio da norma culta, tenha capacidade e sensibilidade para apreciar a beleza e a expressividade de outras modalidades da língua.
Na linguagem coloquial, é normal o uso do você como pronome indefinido, significando alguém ou uma pessoa não especificada. Então, nessa modalidade, pode-se perfeitamente dizer a um homem: "Quando você tem o apoio do marido durante a gravidez, você pode..."


Odilon Soares Leme é professor do Anglo, responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa", da rádio Jovem Pan, e autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)


Texto Anterior: Biologia: O doping e os atletas olímpicos
Próximo Texto: História: A Grécia, a democracia e a cidadania
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.