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      São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003
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PORTUGUÊS

Metonímia é um dos mais férteis recursos de estilo

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chamamos metonímia à figura de linguagem que, diferentemente da metáfora (esta construída sobre uma base comparativa), se organiza em relações de contigüidade. Por exemplo, ao dizer que uma moça é uma flor, temos uma metáfora -é a comparação implícita que nos permite transferir a ela as qualidades da flor.
A metonímia, por sua vez, nem sempre é percebida como uma estratégia de estilo, pois algumas das construções em que aparece pertencem à linguagem comum.
Se alguém diz que toma "duas conchas" de sopa, imaginamos que a pessoa ingira não as conchas, mas o seu conteúdo. Ocorre o mesmo em "tomar uma taça de vinho" e, por extensão, em "ver duas horas de TV".
Expressões como "o pão de cada dia" e "o leite das crianças" substituem o alimento como um todo. O mesmo ocorre em "tomar café da manhã", em que o café é apenas um dos itens da refeição matinal e, às vezes, nem o é.
Como se vê, tomar a parte pelo todo é uma das formas mais comuns de construir metonímias: "ter bocas para alimentar", "como dizem as más línguas" ou as expressões "sem-teto" e "auxílio-paletó" são alguns exemplos.
Mas não é só no dia-a-dia que a metonímia aparece. A figura também é empregada para produzir belos efeitos de estilo. É o que nos comprova a letra de "Viola Enluarada", conhecida canção de Marcos Valle e de Paulo Sergio Valle: "A mão que toca um violão/ Se for preciso, faz a guerra/ (...) / A voz que canta uma canção/ se for preciso, canta um hino/ (...) / O mesmo pé que dança um samba/ se for preciso, vai à luta (..)". A letra de "Mucuripe", de Belchior e de Fagner, também traz uma metonímia: "As velas do Mucuripe / vão sair para pescar (...)".
É ainda o recurso usado por Gregório de Matos, poeta brasileiro, no poema "Buscando a Cristo", em que, em seu apelo a Jesus, constrói uma seqüência de metonímias: "A vós correndo vou, braços sagrados, (...)/ A vós, divinos olhos, (...)/ A vós, pregados pés, (...)/ A vós, cabeça baixa, (...)."
Recurso de estilo de grande fertilidade, é ainda a metonímia, agora numa seqüência gradativa, que aparece nestes versos de Drummond: "É puro carnaval, loucura mansa, a reboar no canto de mil bocas, de dez mil, de trinta mil, de cem mil bocas (...)".


Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br


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