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PORTUGUÊS
Metonímia é um dos mais férteis recursos de estilo
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Chamamos metonímia à figura
de linguagem que, diferentemente da metáfora (esta construída sobre uma base comparativa),
se organiza em relações de contigüidade. Por exemplo, ao dizer
que uma moça é uma flor, temos
uma metáfora -é a comparação
implícita que nos permite transferir a ela as qualidades da flor.
A metonímia, por sua vez, nem
sempre é percebida como uma estratégia de estilo, pois algumas
das construções em que aparece
pertencem à linguagem comum.
Se alguém diz que toma "duas
conchas" de sopa, imaginamos
que a pessoa ingira não as conchas, mas o seu conteúdo. Ocorre
o mesmo em "tomar uma taça de
vinho" e, por extensão, em "ver
duas horas de TV".
Expressões como "o pão de cada dia" e "o leite das crianças"
substituem o alimento como um
todo. O mesmo ocorre em "tomar
café da manhã", em que o café é
apenas um dos itens da refeição
matinal e, às vezes, nem o é.
Como se vê, tomar a parte pelo
todo é uma das formas mais comuns de construir metonímias:
"ter bocas para alimentar", "como dizem as más línguas" ou as
expressões "sem-teto" e "auxílio-paletó" são alguns exemplos.
Mas não é só no dia-a-dia que a
metonímia aparece. A figura também é empregada para produzir
belos efeitos de estilo. É o que nos
comprova a letra de "Viola
Enluarada", conhecida canção de
Marcos Valle e de Paulo Sergio
Valle: "A mão que toca um violão/ Se for preciso, faz a guerra/
(...) / A voz que canta uma canção/
se for preciso, canta um hino/ (...)
/ O mesmo pé que dança um samba/ se for preciso, vai à luta (..)". A
letra de "Mucuripe", de Belchior e
de Fagner, também traz uma metonímia: "As velas do Mucuripe /
vão sair para pescar (...)".
É ainda o recurso usado por
Gregório de Matos, poeta brasileiro, no poema "Buscando a Cristo", em que, em seu apelo a Jesus,
constrói uma seqüência de metonímias: "A vós correndo vou, braços sagrados, (...)/ A vós, divinos
olhos, (...)/ A vós, pregados pés,
(...)/ A vós, cabeça baixa, (...)."
Recurso de estilo de grande fertilidade, é ainda a metonímia,
agora numa seqüência gradativa,
que aparece nestes versos de
Drummond: "É puro carnaval,
loucura mansa, a reboar no canto
de mil bocas, de dez mil, de trinta
mil, de cem mil bocas (...)".
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da
Folha. E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
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