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PORTUGUÊS
Dizer que não se vai dizer pode ser uma maneira de dizer
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Custa-me dizer que eu era dos
mais adiantados da escola;
mas era. Não digo também que
era dos mais inteligentes, por um
escrúpulo fácil de entender e de
excelente efeito no estilo, mas não
tenho outra convicção." O trecho
que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto
de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas.
A citação vem a propósito de
comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e,
às vezes, irônico. Trata-se da preterição ou paralipse, que, segundo
o narrador machadiano, produz
"excelente efeito no estilo". Ora,
para evitar o auto-elogio e, ao
mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim,
afirma que não vai dizer algo,
mas, ao mesmo tempo, o diz.
O recurso é observado em debates entre políticos, que não economizam frases do tipo: "Não vou
contar aqui, pois este não é o momento, que o nobre colega nunca
explicou onde foram parar as verbas destinadas aos projetos sociais durante a sua administração". O interlocutor vê-se, assim,
obrigado a responder à provocação. Geralmente o artifício serve
para desviar a discussão do rumo
que seguia. Certamente, num caso como esse, o discurso aparece
revestido de ironia -figura por
meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto.
Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou.
Seria falso, no entanto, dizer que
o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Imagine uma
fala como esta: "O artista Fulano
acaba de lançar um disco. Nada
direi aqui das suas virtudes humanas, que são muito conhecidas
de todos -afinal, ele é um grande
benfeitor de instituições de caridade-; falarei apenas de seu novo trabalho musical".
Dessa maneira, o assunto surge
de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele.
Essa figura da retórica tornou-se familiar em razão de seu uso
constante por certo apresentador
de TV que, ao interromper a fala
de seus entrevistados, logo anuncia: "Sem querer interromper e já
interrompendo...", um autêntico
caso de preterição que resolve um
problema de etiqueta!...
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da
Folha.
E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
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