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PORTUGUÊS
Contos revelam ceticismo de Machado de Assis
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos temas centrais da obra
de Machado de Assis é o conflito entre a essência e a aparência.
Em vários de seus contos, as personagens vivem situações que
põem à prova a firmeza de seus
valores morais, os quais, de resto,
na maior parte das vezes, se ajustam às necessidades do momento. Falta a elas consciência moral,
mergulhadas que estão num
mundo em que o culto da aparência e do efêmero é o caminho para
o sucesso.
Em "O Enfermeiro" (do livro
"Várias Histórias", 1896), é Procópio, o protagonista do conto,
quem vai enfrentar um dilema
moral. Após matar acidentalmente seu paciente, vê-se atormentado pela culpa e pelo medo. Para
piorar a sua situação psicológica,
toma conhecimento de que era
herdeiro universal dos bens do falecido. Como o crime passara despercebido, o medo concedeu-lhe
trégua. A culpa, mais persistente,
arrefeceu diante do reconhecimento público de tudo o que fizera pelo doente. É a opinião do outro que modela a consciência.
No conto-teoria "O Espelho"
(do livro "Papéis Avulsos", 1882),
Machado vai mais longe: o olhar
do outro é que forja a identidade.
O jovem Jacobina se torna alferes
e passa a ser reconhecido pelo uso
da farda, que registra seu status
social. Um dia se vê só -distante
do olhar da platéia- e, postado
diante de um espelho, não encontra sua imagem refletida; em seu
lugar, apenas uma figura difusa,
"sombra de sombra". Só recupera
sua imagem e, ao mesmo tempo,
sua existência, quando veste novamente o uniforme.
A idéia ressurge em "Teoria do
Medalhão", também de "Papéis
Avulsos", agora expressa de maneira menos enigmática e mais direta. Uma inusitada conversa se
dá entre pai e filho no dia em que
este atinge a maioridade. Preocupado com o futuro do jovem, o
pai o aconselha a seguir o que
considera o único caminho de sucesso: tornar-se um "medalhão".
Ser um medalhão significa obter
notoriedade e distinção a qualquer preço. Para que o filho alcance posição social, o pai lhe ensina
-com boa dose de cinismo e de
ironia- uma preciosa lição, que,
segundo suas próprias palavras,
vale "O Príncipe", de Maquiavel.
Cético que é, Machado parece
aceitar a imperfeição moral do
mundo, mas não sem a amargura
que alimenta o seu sarcasmo, este
tão bem expresso na frase que encerra as "Memórias Póstumas de
Brás Cubas": "Não tive filhos, não
transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria".
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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