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HISTÓRIA
O tráfico e a construção do Novo Mundo
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Durante muito tempo, justificou-se a escravidão do negro
africano no Brasil pela falta de
adaptação do índio nativo ao regime de trabalho compulsório, o
que dava a entender que o negro
se adaptava mais facilmente à escravidão ou, ao menos, não apresentava tanta resistência, sendo,
portanto, mais servil e obediente.
Essa interpretação tradicional
pode ser questionada de diversas
formas. Em primeiro lugar, foi comum o recurso à escravidão do
índio nas regiões em que o acesso
ao tráfico africano era difícil ou
em que não se conseguia pagar o
alto preço do escravo negro.
O caso de São Paulo é um exemplo clássico. Desde o início da colonização, os colonos que habitavam esta vila pobre recorreram à
escravidão do índio sem considerar muito a suposta dificuldade
do nativo de se adaptar às condições de trabalho desumanas do
sistema. O recurso em grande escala ao trabalho do negro africano
iniciou-se só na segunda metade
do século 19, com a cafeicultura.
A opção pela escravidão do negro decorreu, na verdade, da natureza do sistema que ordenava as
relações entre a metrópole e as colônias de exploração, denominado sistema colonial, o qual era
parte de um receituário econômico que, ao lado do protecionismo,
dos monopólios e das medidas de
apoio às manufaturas, compunha
o mercantilismo.
No contexto dessa estratégia,
cabia à colônia complementar a
economia metropolitana suprindo, de um lado, as necessidades
de consumo e, de outro, fornecendo produtos que pudessem
ser exportados com vista à obtenção de uma balança comercial favorável. Dessa forma, a metrópole
acumularia ouro e prata, metais
considerados pelos pensadores
mercantilistas expressão da riqueza e do poder dos Estados durante a Idade Moderna.
A captura do negro na África e a
sua venda para as colônias na
América eram um instrumento
de poder sobre a colônia (pois
controlava o fluxo da mão-de-obra, vital para a produção colonial) e, ao mesmo tempo, o negócio mais lucrativo entre todos os
que envolviam o comércio colonial. O tráfico atendia, portanto,
às exigências do sistema colonial e
do mercantilismo, pois gerava
uma via de comércio que proporcionava acumulação de capitais
na metrópole. Seu papel decisivo
levou alguns historiadores a afirmar que não foi a escravidão que
gerou o tráfico, mas o tráfico que
gerou a escravidão.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As
Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e
professor no Colégio Rio Branco e na
Universidade Grande ABC. E-mail:
roberson.co@uol.com.br
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