São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004
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GRAMÁTICA

Quando o SE está sobrando...

ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA

É claro que você já se deu conta de como a palavrinha se é importante no mecanismo da língua portuguesa. Ela pode ser, por exemplo, conjunção integrante, iniciando, então, uma oração subordinada substantiva: Todos perguntavam se ela viria. Pode ser, também, conjunção subordinativa condicional: se correr, o bicho pega...
Mas ela tem uma importância toda especial quando está diretamente relacionada a um verbo.
No caso de verbos intransitivos ou transitivos indiretos, o se pode ser empregado para indicar a indeterminação do sujeito: Entra-se na propriedade por uma rampa arborizada (entrar: verbo intransitivo); Nem sempre se recorre aos meios mais honestos (recorrer a: verbo transitivo indireto). Em ambos esses casos, o se é chamado de índice de indeterminação do sujeito.
Quando o verbo é transitivo direto (aquele cujo complemento necessário não exige preposição), o se normalmente assume um de dois papéis: ou será pronome apassivador, ou será pronome reflexivo. Em Não se descobriram indícios de fraude, o se apassiva o verbo, dando à oração o sentido de Não foram descobertos indícios de fraude. Já em Ele se escondeu dentro do armário, o se desempenha a função de objeto direto de esconder: Escondeu o quê? A si mesmo.
Para que o se, como pronome reflexivo, desempenhe a função de objeto direto, é necessário, evidentemente, que o verbo seja transitivo direto. Da mesma maneira que ele se escondeu dentro do armário, ele poderia ter escondido um revólver, uma jóia, os documentos...
O perigo está em usarmos o pronome reflexivo como objeto direto de verbos que não o aceitam. Vez por outra ouvimos, e até lemos, frases como "Nesta época do ano os pernilongos se proliferam". Acontece que não se pode proliferar alguma coisa. Proliferar já significa produzir prole (filhos), reproduzir-se. É como se o objeto direto já estivesse embutido no próprio verbo. Então, pernilongos não "se proliferam"; eles simplesmente proliferam.
Pela mesma razão não se pode dizer "Ele se difere muito de você". Diferir já significa ser diferente, distinguir-se. Então, ou se diz apenas "Ele difere muito de você", ou, usando um verbo transitivo direto, "Ele se diferencia muito de você". Mas com diferir, da mesma forma que com proliferar, o se está sobrando...


Odilon Soares Leme é professor do Anglo, responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa" da rádio Jovem Pan e autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)


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