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GRAMÁTICA
Quando o SE está sobrando...
ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA
É claro que você já se deu conta
de como a palavrinha se é importante no mecanismo da língua
portuguesa. Ela pode ser, por
exemplo, conjunção integrante,
iniciando, então, uma oração subordinada substantiva: Todos
perguntavam se ela viria. Pode
ser, também, conjunção subordinativa condicional: se correr, o bicho pega...
Mas ela tem uma importância
toda especial quando está diretamente relacionada a um verbo.
No caso de verbos intransitivos
ou transitivos indiretos, o se pode
ser empregado para indicar a indeterminação do sujeito: Entra-se
na propriedade por uma rampa
arborizada (entrar: verbo intransitivo); Nem sempre se recorre aos
meios mais honestos (recorrer a:
verbo transitivo indireto). Em
ambos esses casos, o se é chamado
de índice de indeterminação do
sujeito.
Quando o verbo é transitivo direto (aquele cujo complemento
necessário não exige preposição),
o se normalmente assume um de
dois papéis: ou será pronome
apassivador, ou será pronome reflexivo. Em Não se descobriram
indícios de fraude, o se apassiva o
verbo, dando à oração o sentido
de Não foram descobertos indícios de fraude. Já em Ele se escondeu dentro do armário, o se desempenha a função de objeto direto de esconder: Escondeu o quê?
A si mesmo.
Para que o se, como pronome
reflexivo, desempenhe a função
de objeto direto, é necessário, evidentemente, que o verbo seja
transitivo direto. Da mesma maneira que ele se escondeu dentro
do armário, ele poderia ter escondido um revólver, uma jóia, os
documentos...
O perigo está em usarmos o
pronome reflexivo como objeto
direto de verbos que não o aceitam. Vez por outra ouvimos, e até
lemos, frases como "Nesta época
do ano os pernilongos se proliferam". Acontece que não se pode
proliferar alguma coisa. Proliferar já significa produzir prole (filhos), reproduzir-se. É como se o
objeto direto já estivesse embutido no próprio verbo. Então, pernilongos não "se proliferam"; eles
simplesmente proliferam.
Pela mesma razão não se pode
dizer "Ele se difere muito de você". Diferir já significa ser diferente, distinguir-se. Então, ou se diz
apenas "Ele difere muito de você",
ou, usando um verbo transitivo
direto, "Ele se diferencia muito de
você". Mas com diferir, da mesma
forma que com proliferar, o se está sobrando...
Odilon Soares Leme é professor do Anglo, responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa" da rádio Jovem Pan e
autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)
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