São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2005

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MANUEL DA COSTA PINTO

Laboratórios de prosa e verso

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Revistas literárias são um termômetro das tendências estéticas e de sua recepção crítica. Como dizia o poeta José Paulo Paes, uma das funções desses periódicos é ser um laboratório para os escritores "testarem" seus textos antes da publicação em livro.
Surpreendentemente, o ano de 2004 foi bastante rico nesse aspecto, com o surgimento de novos títulos e a sobrevivência de publicações importantes, que desafiam o marasmo econômico no qual muitas revistas naufragaram nos últimos anos.
Quase todas trazem textos críticos e inéditos de prosa ou poesia, mas com ênfases diferentes. Assim, a "Inimigo Rumor" -R$ 25, coedição da 7 Letras com a Cosac Naify (www.cosacnaify.com.br)- chega ao número 16 com trabalhos de poetas brasileiros e de franceses como Philippe Beck e C. Tarkos, mas também inclui uma das últimas entrevistas de Sebastião Uchoa Leite, morto em 2003. Já a "Ficções" (R$ 15), da 7 Letras (www.7letras.com.br), é exclusivamente voltada para a prosa e chega ao número 13 reunindo autores conhecidos, como Cadão Volpato e Charles Kiefer, e contistas praticamente inéditos, ao lado de entrevista com Wilson Bueno.
Essas duas revistas podem ser consideradas decanas de nosso meio editorial e, por isso mesmo, já passaram por suas páginas uma diversidade de escritores que torna difícil identificar um viés dominante.
É nas publicações surgidas mais recentemente, portanto, que se percebe um caráter "programático", ainda que distante do tom reivindicatório das extintas vanguardas.
Duas revistas do Paraná -"Coyote", de Londrina, e "Oroboro", de Curitiba (ambas distribuídas pela Iluminuras, www.iluminuras.com.br)- associam experimentalismo formal a aspectos transgressivos da tradição beatnik. Em seu número 9, "Coyote" (R$ 10) traduz uma belíssima série de poemas de Paul Auster e mini-contos do cineasta Peter Greenaway -mas também traz entrevista com Roberto Piva (ícone vivo da contracultura), além de inéditos que incluem fragmentos de uma paródia aos "Lusíadas", por Marcos Satoru Kawanami.
Já a "Oroboro" número 2 (R$ 10) promove a interlocução entre o verbal e o visual, com intervenções da escultora Eliane Prolik sobre placas de trânsito, fotos e textos da performance "Regurgitofagia", de Michel Melamed, e o trabalho da artista Elida Tessler com o poeta Manoel Ricardo de Lima, estabelecendo um sistema de "vasos comunicantes e falas inacabadas" entre objetos cotidianos.
No pólo oposto, "Babel" (R$ 20, e-mail: revistababel@uol. com.br) tem sido um espaço aberto para novíssimos poetas, mas com ênfase em trabalhos com dimensão socialmente crítica. Prova disso são as traduções dos caribenhos Derek Wallcot e Linton Kwesi Johnson e os poemas de autores oriundos de espaços de exclusão social, como Marcelo Ariel, de Cubatão (SP), autor do "Vila Socó Libertada" - feliz descoberta de "Babel", cujo número 6 traz entrevista com João Cabral de Melo Neto, feita pouco antes de sua morte pela documentarista Cristina Fonseca.
Algumas revistas possuem grande afinidade, pelo fato de terem os mesmos colaboradores. É o caso de "Cacto" (R$ 18, editora Unimarco, e-mail: unimarco@smarcos.br), cujo quarto número entrevista Paulo Henriques Britto, e da recém-criada "Jandira", de Juiz de Fora (R$ 10, e-mail: revistajandira@yahoo.com.br). Em ambas, encontramos poetas que procuram desdobrar o repertório do alto modernismo representado por Drummond, Bandeira, Murilo Mendes, João Cabral, os concretos etc.
São nomes como os de Fabio Weintraub, Tarso de Melo, Eduardo Sterzi, Pádua Fernandes, que também participam da revista "Rodapé" (R$ 26,90, e-mail: nankin@nankin.com.br), única dedicada exclusivamente à crítica literária, com resenhas que acompanham a produção dos últimos anos sob um olhar marcado pela leitura de Adorno e Roberto Schwarz -como se pode ler no ensaio de Priscila Figueiredo sobre "O Filantropo", de Rodrigo Naves, e nos textos de uma mesa-redonda envolvendo críticos como Iná Camargo Costa, Paulo Arantes e o próprio Schwarz.
Capítulo à parte, finalmente, é "Teresa" (R$ 35, www.editora34.com.br), cujo número duplo 4/5 discute as relações entre literatura e música desde Machado de Assis até os Racionais MCs.


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