São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

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ERA JK - DUAS VISÕES

Kubitschek conhecia a natureza humana

RONALDO COSTA COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tempo curto, escasso. Mas JK fazia milagres com o seu. Dormia pouco, movimentava-se muito, decidia rápido. E ainda conseguia divertir-se. Tinha hábitos, manias e comportamentos marcantes. A começar da gargalhada fácil e freqüente, que o jornalista Carlos Castello Branco descreveu como uma jovem, sadia e sonora explosão de alegria. Para ele, JK foi um rapaz que morreu aos 73 anos. Pura jovialidade, bom humor, coragem, dinamismo e simpatia.
Livrava-se dos sapatos assim que dava para disfarçar, por baixo da mesa, por exemplo. Mesmo de terno e gravata, e até em ocasiões solenes. Criança, luxou o dedo mínimo do pé direito. Tratamento malfeito, seqüela definitiva. Sofria muito em caminhadas longas.
Ao vestir-se, gostava de ter todas as peças colocadas em seqüência sobre a cama, cadeira e outros móveis: cueca, calça já com os suspensórios (não usava cinto), meias dobradas do avesso, camisa desabotoada (não gostava de abotoaduras), gravata, paletó, geralmente um lenço de bolso, e, junto ao closet, os sapatos sem cadarços, um ou dois números acima do normal, para não pressionar o frágil mindinho e serem calçados e descalçados facilmente.
Era realmente preocupado com a aparência. Penteava e repenteava o cabelo com freqüência. Valorizava quase ao extremo a indumentária. Maior xodó: as gravatas. Tinha coleção enorme, adorava escolhê-las e comprá-las. Não abria mão de dar o laço, um caprichoso e comprido triângulo. Generoso em quase tudo, morria de ciúme delas.
Quase obsessivo com pontualidade, olhava toda hora o relógio de pulso, sempre adiantado cinco minutos.
Embora pouco bebesse, tinha preferência pelo champanhe rosé. Nas festas e recepções, aceitava uma ou outra dose de uísque, que raramente bebericava. Gostava mesmo era de ficar sacudindo o copo e ouvindo o tilintar dos cubos de gelo. De vez em quando pedia um cigarro e "fumava" apagado. Punha na boca, não acendia, brincava com ele nos lábios, jogava fora. Quando chegaram os de filtro, mordiscava a ponta, descartava.
Sentia-se em casa a bordo de aviões. Conversava, despachava normalmente, dormia feito um bebê feliz. Não tinha medo: acreditava piamente que não morreria em acidente aéreo.
Dormia menos de cinco horas por noite. Deitava tarde, acordava antes das 6h20, ligava para a mãe, dona Júlia, pedia a bênção, conversava com ela. Depois banho, geralmente de banheira. Não era incomum despachar no banheiro com assessores mais íntimos, como o coronel Affonso Heliodoro. No Laranjeiras, havia um telefone ao lado da banheira, cadeira de barbeiro também.
Gostava de comida de sal no café da manhã, como bifes fininhos, bem passados. Gostava de muita gente por perto, detestava ficar sozinho. Raramente almoçava ou jantava com menos de dez pessoas. Dependendo do cardápio, costumavam servir-lhe comida mineira, em separado. Às vezes dormia de 15 a 20 minutos depois do almoço. Se estava em casa, fazia questão de botar pijama. Fora, programava o inseparável despertador de pulso, pedia licença, buscava um canto discreto, tirava o paletó, sentava ou deitava, fechava os olhos, dormia quase instantaneamente. Era o bastante para vencer o cansaço e recuperar a energia. Acordava novo em folha, refeito, animadíssimo.
Dançava bem, era um "pé-de-valsa". Em campanhas ou visitas, nas festas simples do interior, trocava sempre de par para prestigiar todas as moças. Adorava conviver com intelectuais e artistas, amava saraus, serenatas e serestas. Conhecia profundamente a natureza humana. A masculina e talvez ainda mais a feminina.


Ronaldo Costa Couto, 63, economista e escritor, doutor em história pela Sorbonne (Paris IV), foi ministro do Interior, governador de Brasília e ministro-chefe do Gabinete Civil no governo Sarney (1985-89). Inédito, este texto integrará a quinta edição do livro "Brasília Kubitschek de Oliveira" (editora Record), nas livrarias neste mês


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