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ERA JK - DUAS VISÕES
Kubitschek conhecia a natureza humana
RONALDO COSTA COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tempo curto, escasso. Mas JK
fazia milagres com o seu.
Dormia pouco, movimentava-se
muito, decidia rápido. E ainda
conseguia divertir-se. Tinha hábitos, manias e comportamentos
marcantes. A começar da gargalhada fácil e freqüente, que o jornalista Carlos Castello Branco
descreveu como uma jovem, sadia e sonora explosão de alegria.
Para ele, JK foi um rapaz que morreu aos 73 anos. Pura jovialidade,
bom humor, coragem, dinamismo e simpatia.
Livrava-se dos sapatos assim
que dava para disfarçar, por baixo
da mesa, por exemplo. Mesmo de
terno e gravata, e até em ocasiões
solenes. Criança, luxou o dedo
mínimo do pé direito. Tratamento malfeito, seqüela definitiva. Sofria muito em caminhadas longas.
Ao vestir-se, gostava de ter todas as peças colocadas em seqüência sobre a cama, cadeira e
outros móveis: cueca, calça já com
os suspensórios (não usava cinto), meias dobradas do avesso, camisa desabotoada (não gostava
de abotoaduras), gravata, paletó,
geralmente um lenço de bolso, e,
junto ao closet, os sapatos sem cadarços, um ou dois números acima do normal, para não pressionar o frágil mindinho e serem calçados e descalçados facilmente.
Era realmente preocupado com
a aparência. Penteava e repenteava o cabelo com freqüência. Valorizava quase ao extremo a indumentária. Maior xodó: as gravatas. Tinha coleção enorme, adorava escolhê-las e comprá-las. Não
abria mão de dar o laço, um caprichoso e comprido triângulo. Generoso em quase tudo, morria de
ciúme delas.
Quase obsessivo com pontualidade, olhava toda hora o relógio
de pulso, sempre adiantado cinco
minutos.
Embora pouco bebesse, tinha
preferência pelo champanhe rosé.
Nas festas e recepções, aceitava
uma ou outra dose de uísque, que
raramente bebericava. Gostava
mesmo era de ficar sacudindo o
copo e ouvindo o tilintar dos cubos de gelo. De vez em quando
pedia um cigarro e "fumava" apagado. Punha na boca, não acendia, brincava com ele nos lábios,
jogava fora. Quando chegaram os
de filtro, mordiscava a ponta, descartava.
Sentia-se em casa a bordo de
aviões. Conversava, despachava
normalmente, dormia feito um
bebê feliz. Não tinha medo: acreditava piamente que não morreria em acidente aéreo.
Dormia menos de cinco horas
por noite. Deitava tarde, acordava
antes das 6h20, ligava para a mãe,
dona Júlia, pedia a bênção, conversava com ela. Depois banho,
geralmente de banheira. Não era
incomum despachar no banheiro
com assessores mais íntimos, como o coronel Affonso Heliodoro.
No Laranjeiras, havia um telefone
ao lado da banheira, cadeira de
barbeiro também.
Gostava de comida de sal no café da manhã, como bifes fininhos,
bem passados. Gostava de muita
gente por perto, detestava ficar
sozinho. Raramente almoçava ou
jantava com menos de dez pessoas. Dependendo do cardápio,
costumavam servir-lhe comida
mineira, em separado. Às vezes
dormia de 15 a 20 minutos depois
do almoço. Se estava em casa, fazia questão de botar pijama. Fora,
programava o inseparável despertador de pulso, pedia licença,
buscava um canto discreto, tirava
o paletó, sentava ou deitava, fechava os olhos, dormia quase instantaneamente. Era o bastante
para vencer o cansaço e recuperar
a energia. Acordava novo em folha, refeito, animadíssimo.
Dançava bem, era um "pé-de-valsa". Em campanhas ou visitas,
nas festas simples do interior, trocava sempre de par para prestigiar todas as moças. Adorava conviver com intelectuais e artistas,
amava saraus, serenatas e serestas. Conhecia profundamente a
natureza humana. A masculina e
talvez ainda mais a feminina.
Ronaldo Costa Couto, 63, economista e
escritor, doutor em história pela Sorbonne (Paris IV), foi ministro do Interior, governador de Brasília e ministro-chefe do
Gabinete Civil no governo Sarney (1985-89). Inédito, este texto integrará a quinta
edição do livro "Brasília Kubitschek de
Oliveira" (editora Record), nas livrarias
neste mês
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