São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Instabilidade política marcou o governo Juscelino

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No Brasil, temos enorme dificuldade de tratar o passado, especialmente o mais recente. Qualquer crítica parece uma heresia. O governo Juscelino Kubitschek foi marcado por vários êxitos inegáveis. JK assumiu a Presidência numa conjuntura política muito difícil. Em novembro de 1955, um mês após a sua eleição -quando recebeu pouco mais de um terço do total de votos-, foram necessárias duas intervenções do ministro da Guerra para que pudesse tomar posse: na primeira foi retirado da Presidência o deputado Carlos Luz e na segunda foi impedido o retorno de Café Filho, o presidente licenciado. Acabou assumindo o governo o senador Nereu Ramos. Ou seja, entre novembro de 55 e janeiro de 56, o Brasil teve três presidentes.
A instabilidade política marcou o qüinqüênio juscelinista. Houve duas tentativas de golpe militar patrocinada por oficiais da Aeronáutica -Jacareacanga e Aragarças- que acabaram fracassando. Mas, durante o governo, não houve ano sem que tenham sido presos por indisciplina dezenas de oficiais militares. Como os rebelados acabaram anistiados, isto acabou estimulando novas tentativas golpistas. E pior: ao lançar como candidato oficial à sua sucessão o marechal Teixeira Lott, em 1960, manteve no centro da luta política as Forças Armadas -recordando que nas três eleições anteriores tivemos duas vezes o brigadeiro Eduardo Gomes como candidato e uma vez o general Juarez Távora. Numa república marcada por quarteladas, isso foi extremamente nocivo para a democracia.
No campo econômico é inegável o progresso. Contudo deve ser lembrado o custo de um crescimento sem o devido planejamento. A inflação aumentou ano a ano, cresceu a dívida externa e disparou a dívida pública. A construção de Brasília favoreceu as empreiteiras -parte delas, mineiras-, e no Congresso Nacional a oposição denunciou inúmeras vezes o desvio de recursos públicos. O governo, porém, criou dificuldades para a instalação de CPIs, além de cooptar parcela dos oposicionistas, como o deputado udenista Antonio Carlos Magalhães. A mudança da capital federal acabou também iniciando o processo de decadência econômica do Rio de Janeiro: não houve nenhum programa federal que possibilitasse a transição da antiga capital para o Estado da Guanabara.
JK marcou seu qüinqüênio também por uma velha prática nacional: usar o poder para favorecer os amigos e aliados. O Dnocs serviu como instrumento eleitoral nas eleições estaduais de 1958 no Nordeste -ano de seca. Inchou a máquina pública e distribuiu benesses. Um dos agraciados foi o então deputado Armando Falcão, seu ministro da Justiça por um ano e meio. Antes de sair do governo, deu ao amigo um cartório no Rio de Janeiro.
Quando passou o governo a Jânio Quadros, deixou algumas bombas econômicas de efeitos retardados e o país com sérios problemas de crédito externo, pois em 1959, em um gesto preparatório para a campanha de 1965, rompeu com o Fundo Monetário Internacional.


Marco Antonio Villa é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de, entre outras obras, "Jango, um Perfil" (editora Globo)


Texto Anterior: Era JK - Duas visões: Kubitschek conhecia a natureza humana
Próximo Texto: Televisão: Para analistas, queda da baixaria marcou 2005
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.