São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2011

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CRÍTICA ENSAIO

Begley retrata caso Dreyfus sem emoção

Romancista aborda célebre história de oficial judeu injustiçado no séc. 19, no contexto do pós-11 de Setembro

PARA QUEM QUISER ENTENDER O DRAMA DE DREYFUS, O LIVRO DE JEAN DENIS BREDIN CONTINUA A SER A MELHOR OPÇÃO

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Louis Begley é um excelente romancista, numa linha intimista e proustiana.
Foi também advogado de sucesso nos Estados Unidos, até 2005.
Nasceu na Polônia, em 1933, e seu primeiro livro, "Infância de Mentira" (Companhia das Letras, 1992), narra o quanto de astúcia um menino judeu teve de ter para escapar da perseguição nazista.
Poucos autores estariam mais qualificados do que Begley para tratar do célebre caso Dreyfus, a escandalosa injustiça que se abateu sobre um oficial de origem judaica, em finais do século 19 na França.
Dreyfus foi acusado, com base em "provas secretas", de traição. Passou vários anos na Ilha do Diabo, sem ter direito a falar com ninguém, exposto ao sol do Equador, à malária e às aranhas, enquanto toda a consciência ocidental, da Rainha Vitória a Ruy Barbosa, clamava por sua inocência.
Qualquer pessoa que tenha lido o livro de Jean Denis Bredin sobre o caso Dreyfus (editora Scritta, esgotado), lamentará no texto de Louis Begley a ausência de romanesco, de sensacionalismo, de emoção.
O livro de Bredin ("O Caso Dreyfus", encontrável em sebos na internet) prodigaliza perfis dos principais personagens da história, usa e abusa de suspense e de surpresa.
Dizem que um dos primeiros sintomas de loucura numa pessoa culta é interessar-se pelos mistérios da Ordem dos Templários. Sem dúvida, o caso Dreyfus é capaz de produzir demência parecida.
Tudo é sensacional: a injustiça, o antissemitismo, a falsificação documental, a razão de Estado, a atitude dos poetas e intelectuais diante do escândalo: Proust a favor de Dreyfus, Valéry contra...
Louis Begley inspira-se no caso Dreyfus, e exalta-o, no contexto das prisões políticas feitas pelo governo Bush depois do 11 de Setembro.
O problema é que, apesar das evidentes violações de direitos humanos cometidas pelo governo Bush, não há como identificar nenhum prisioneiro de Guantánamo ao capitão Dreyfus.
Podem existir muitos inocentes em Guantánamo: mas isso exigiria uma forma narrativa própria, não o recurso a Dreyfus como interposta pessoa.
Tem-se a impressão de que Begley compôs, afinal, um livro para a comunidade judaica nova-iorquina, destinado a lembrá-la de compromissos com a verdade e a justiça que o cataclismo de 11 de Setembro ajudou a destruir.
Para quem quiser entender o drama espetacular de Dreyfus, o livro de Jean Denis Bredin continua a ser a melhor opção.

O CASO DREYFUS
AUTOR Louis Begley
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Laura Teixeira Motta
QUANTO R$ 45 (248 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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