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LITERATURA
Ricardo Dicke, autor mato-grossense descoberto pelo escritor em 68, num concurso literário, hoje não tem editora
Aposta de Guimarães Rosa lança romances
MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1968, o escritor mato-grossense Ricardo Guilherme Dicke
ganhou o Prêmio Walmap de literatura com o romance "Deus de
Caim" (editora Edinova). No júri,
estavam Jorge Amado, Antônio
Olinto e Guimarães Rosa.
Considerado como a grande revelação de uma nova literatura
brasileira, Dicke, 64, era apresentado no meio como o "autor descoberto por Guimarães Rosa".
Novos romances vieram, acompanhados por prêmios literários.
Em 1978, Dicke ganhou o Prêmio
Remington de Prosa com "Caieira" (editora Francisco Alves). Em
1981, faturou o Prêmio Ficção de
Brasília, da Fundação Cultural do
Distrito Federal, com "Madona
dos Páramos" (editora Antares).
No programa "Abertura", da
extinta TV Tupi, o cineasta Glauber Rocha, com um exemplar de
"Caieira" em mãos, bradou para
as câmeras: "Vocês precisam ler
este livro".
Dicke ainda publicou, em 1989,
"Último Horizonte" (editora
Marco Zero) e, em 1995, "Cerimônia do Esquecimento" (Editora da
Universidade Federal de Mato
Grosso), com o qual papou o Prêmio Literário Orígines Lessa.
Fora de catálogo
Mas a glória de tantas honrarias
não arquitetou a notoriedade do
escritor, que voltou a morar em
Cuiabá.
A maioria de seus livros recebe a
balda "fora de catálogo". Para publicar os novos, ele recorre a uma
lei de incentivo à cultura e, como
um novato, corre atrás de patrocínio.
"Em Cuiabá, ninguém vira
grande escritor. Só morando em
São Paulo ou no Rio", disse em
entrevista pelo telefone.
Filho de pai alemão, que fugiu
da Segunda Guerra para o Paraguai e, depois, aportou na pequena Vila Raizama, na Chapada dos
Guimarães (Mato Grosso), Dicke
começou a ler fuxicando a biblioteca da família.
Mudou-se para o Rio de Janeiro
para estudar Ciências Sociais. Lá,
escreveu uma tese de mestrado
sobre o mentor Guimarães Rosa,
"Conjunctio Oppositorum no
Grande Sertão", que foi publicada, e voltou para Cuiabá.
Aproveitando-se da Lei Hermes
de Abreu, lei de incentivo fiscal de
Mato Grosso, Dicke lança por
conta própria dois romances inéditos, "O Salário dos Poetas", a
história de um ex-ditador de um
país sul-americano exilado no
Brasil, e "Rio Abaixo dos Vaqueiros".
Tem ainda quatro livros na gaveta. Informa que uma grande
editora de São Paulo quer reeditar
seus livros. Enquanto aguarda os
contratos, vai editando por lá
mesmo os inéditos.
Os novos romances do autor
não estão em livrarias. Para adquiri-los gratuitamente, basta ligar para Lorenzo Falcão (0/xx/
65/663-1313).
Folha - Por que é tão difícil o mercado se abrir para os seus livros?
Ricardo Guilherme Dicke - Porque eu não consigo estabelecer
uma via de comunicação fácil
com as editoras. Elas ficam longe
demais. Tudo tem de ser feito pelo
telefone, cartas, não dá para mostrar a obra. Eu estou tão longe...
Tenho contos, poesias, novelas
inéditas aqui.
Folha - É coincidência o fato de o
senhor ter sido descoberto por Guimarães Rosa e, depois, fazer uma
tese sobre "Grande Sertão: Veredas"?
Dicke - Uma coisa levou a outra.
Eu descobri que tinha grandes segredos de conjunção de coisas
opostas em Guimarães. Não tem
uma linha em que ele não fala da
união dos opostos. Parece que ele
estava enlouquecido pela idéia da
oposição, da tese e antítese.
Folha - O senhor chegou a conhecê-lo pessoalmente?
Dicke - Não. Mas uma vez eu liguei para ele. Eu estava bêbado.
Tinha bebido num bar de Ipanema. Ficamos duas horas no telefone. Eu disse que era um simples
capiau. E ele disse: "Eu também
sou capiau, caipira mesmo". Ele
queria saber tanta coisa de Mato
Grosso. Já tinha vindo uma vez
para cá. Dizia que queria voltar.
Folha - Por que escrever sobre
um ex-ditador sul-americano?
Dicke - Quase todos os escritores
sul-americanos, como Vargas
Llosa e García Márquez, escreveram sobre ditadores. Eles nos fascinam. O meu personagem é ilustrado. Será que pode?
Folha - O senhor começou a escrever influenciado por quem?
Dicke - Pela minha mãe, que era
contadora de histórias, inventava
coisas. Nós morávamos num rancho, numa casa de sapê. Nos mudamos para Cuiabá quando eu tinha 6 anos.
Hoje em dia, ela não conta mais
histórias. Saí de Cuiabá porque só
havia uma faculdade, a de direito,
e uma biblioteca, em que descobri
Goethe. Li Goethe várias vezes.
Queria ficar com o livro, roubar
para mim, mas não fiquei. Que
burro eu sou.
Folha - A religião é sempre presente em sua obra?
Dicke - Estudei cinco anos em
colégio de padre. Depois de ler os
existencialistas, como Sartre e Camus, virei ateu. Guimarães Rosa é
que acabou com todo o meu ateísmo. Fiquei confuso. Conheci hippies, budistas. Hoje em dia faço
meditação e rezo. Eu bebia e fumava muito.
A espiritualização me salvou.
Bebendo e fumando não dá certo.
Minha vida foi cheia de contratempos. Por meu pai ser alemão,
fomos muito perseguidos no Brasil durante a guerra.
Folha - O Pantanal é personagem
de suas obras?
Dicke - Claro. Não existem mais
os tropeiros, os carros de boi, como antigamente. Os vaqueiros
andam de caminhão agora. Às vezes sou saudosista. Dá muita tristeza das queimadas, das coisas
que fazem mal à natureza. De julho a setembro, o céu de Cuiabá fica preto.
E não tem jeito de acabar. A
Chapada ainda é um território fechado, ninguém pode tirar a madeira, matar os peixes. Deviam fechar o Pantanal.
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