São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

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CINEMA

CCBB exibe a partir de hoje documentários inéditos no país sobre perfis de cineastas incluindo produção com 40 diretores

Legado de Lumière é tema de mostra

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Em dezembro de 1994, às vésperas do centenário do cinematógrafo, o crítico, ator e cineasta André Labarthe escreveu um artigo para o jornal francês "Le Monde" em que dizia que o século do cinema consolidara o triunfo de (Thomas) Edison, isto é, do comércio, mas também tivera o seu "parêntese Lumière".
Trinta anos antes, Labarthe criara com a viúva do crítico André Bazin (talvez o primeiro a procurar, na história do cinema, a descendência de Lumière), Janine, o projeto "Cinéma de Notre Temps", famosa série de perfis de cineastas que é o essencial da mostra "Lumière e Companhia - Cinedocumentos", que se inicia hoje no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo.
O programa-piloto do projeto foi uma longa entrevista de Truffaut com Rossellini, de quem o francês foi assistente durante dois anos em que o socrático mestre neo-realista nada produziu.
Rossellini já era um descendente inequívoco de Lumière, mas foi a geração de Truffaut e Labarthe, a da nouvelle vague, a primeira a se ver numa filiação, a primeira a reivindicar o seu lugar no "parêntese Lumière" da história do cinema.
"Somos filhos de Lumière!", bradava Godard quando a sua geração ainda não passava de uma "escola" de curtas-metragistas. Na Cinemateca de Henri Langlois, essa geração aprendeu que os irmãos Lumière foram, de certa forma, os últimos dos impressionistas. Era o que sustentava o mestre Langlois, tema de um dos melhores documentários da mostra, que costumava identificar nos filmes de Lumière os mesmos motivos dos pintores impressionistas. É nesse sentido que Renoir representava para essa geração a figura de um patrão, como sugere Rivette, outro "cinefilho" da nouvelle vague, no documentário "Jean Renoir, Le Patron". Não apenas por ter crescido entre os impressionistas, mas também por ter aberto, junto a Jean Vigo, nos fundamentais anos 30 da cinematografia francesa, esse "parêntese Lumière".
Com a ajuda do produtor de Renoir, Pierre Braunberger, a geração de Rivette pôde dar continuidade ao legado, lançando-se às ruas de Paris para realizar seus primeiros curtas em 16 mm.
Ao mesmo tempo em que procuravam livrar o cinema francês da tirania e do enclausuramento dos estúdios, os jovens da nouvelle vague queriam retomar a leveza e a inocência dos primeiros tempos, a inocência de Lumière (homenageada por Truffaut no curta "Les Mistons") e a leveza dos impressionistas.
"Os filmes da nouvelle vague traziam esse maior frescor, mesmo nas anedotas e nas histórias, que trouxera o impressionismo. Uma forma de "lavar o olhar'", diria Rivette mais tarde ao crítico Serge Daney, num documentário da série que, ao lado dos especiais sobre Bresson e Pasolini, são as grandes ausências da mostra.
A prova Rivette dá em sua participação no documentário "Lumière e Cia", a grande atração da mostra, projeto do Museu de Cinema de Lyon que convenceu 40 cineastas do mundo inteiro a filmarem, com a câmera-relíquia usada há mais de cem anos pelos irmãos Lumière, um curta de 52 segundos cada.


LUMIÈRE E COMPANHIA - CINEDOCUMENTOS. Mostra com sete documentários sobre cinema. Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651). Quando: de hoje a 12 de maio; hoje, às 15h ("Lumière e Companhia") e às 17h ("Um Retrato de Alain Resnais"). Quanto: gratuito.



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