São Paulo, sábado, 01 de maio de 2004

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LANÇAMENTO

Esgotada coletânea de textos do dramaturgo para o jornal "Última Hora" ganha reedição depois de 30 anos

Livro de 1973 redescobre o contista Plínio Marcos

BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro se chama "Histórias das Quebradas do Mundaréu". De saída, Plínio Marcos diz a que vem. Quebrada é terreno desbarrancado, ou seja, onde só moram os pobres, gente que é do mundaréu, da língua poética da gíria.
Com o título, já se posiciona. Vai contar a história dos humilhados e ofendidos. Confirma o posicionamento na apresentação do livro: "Lá onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos, nos atalhos esquisitos, estreitos e escamosos do roçado do bom Deus, vive o povão lesado da sociedade, que, apesar de tudo, é generoso, apaixonado, alegre, esperançoso e crente numa existência melhor, na paz de Oxalá. Eu sou o repórter dessa gente simples".
O livro é uma coletânea de textos que o autor escrevia para o jornal "Última Hora", de São Paulo. Foi lançado em 1973 e acaba de ser relançado pela Editora de Cultura numa coleção que promete: "Letras do Brasil".
Durante a ditadura militar, todas as suas peças -"Dois Perdidos numa Noite Suja" (1966), "Navalha na Carne" (1967), "O Abajur Lilás" (1969)- foram censuradas. Plínio sobreviveu graças aos jornais ("Última Hora", "Diário da Noite", "Guarú News", Folha e "Folha da Tarde"), tornando-se articulista, entrevistador, contista. Sendo de circo como aos 16 anos.
Antes de se tornar ator, camelô, administrador de teatro, escritor, palestrante, tirando de letra as dificuldades da vida, "sambando na lama", como diria Chico Buarque.
"Bandidagem", "Futebol", "Samba", "Macumba", "Cadeia", "Amor" e "Diversos" são os sete capítulos da coletânea, que enfim está nas livrarias. Os que conhecem a dramaturgia de Plínio e sabem da altura do seu vôo podem agora descobrir o exímio contador, perguntando-se como é possível que esses contos escritos há mais de 30 anos sejam tão atuais. O autor dizia: "Se meus textos são atuais, o mérito não é meu. A culpa é do país, que não mudou".
Verdade que o país é repetitivo e pode se tornar mais escuro do que a escuridão, mas a atualidade dos textos resulta da escuta de Plínio, que deu ouvidos aos pobres e fez a apologia da sua língua -como Victor Hugo em "Os Miseráveis", em que há vários capítulos sobre a gíria. Plínio saiu a ouvir as prostitutas, os assaltantes, os macumbeiros. Queria as falas a quem ninguém dá ouvidos, a realidade recalcada, o drama da rua.
Nunca estudou psicanálise, nasceu psicanalista. Ao ler as "Histórias das Quebradas do Mundaréu", o leitor passa eletrizado de uma a outra emoção extrema, da tristeza à gargalhada.
Através dos contos, encontra o autor, sem a mediação do diretor de teatro ou do ator. Pode amá-lo, não só pela resistência e pela coragem de que deu provas -quando a censura se abateu sobre as suas peças, que se transformavam numa bandeira de luta pela liberdade-, porém também por uma devoção aos humildes, que denota profunda humanidade.
Está na hora de descobrir o contista Plínio Marcos, que talvez tenha sido o mais censurado dos nossos autores por ser tão brasileiro, rir como os foliões da própria desgraça, sendo sempre um repórter bem-humorado de um tempo mau.


Betty Milan é escritora, psicanalista e autora de "A Paixão de Lia", entre outros

HISTÓRIAS DAS QUEBRADAS DO MUNDARÉU. Autor: Plínio Marcos. Editora de Cultura. Quanto: R$ 28 (180 págs.). Lançamento: hoje, dentro do projeto O Autor na Praça, das 14h às 21h, no Espaço Plínio Marcos (pça. Benedito Calixto, Pinheiros, SP).


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