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CRÍTICA
Ingenuidade se perde com o fim de "Chaves"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Depois de mais de 20 anos
na TV brasileira, "Chaves"
deve deixar de ser exibido. O SBT
desistiu de renovar o contrato
das séries com a Televisa. A emissora mexicana ofereceu para a
Record, que ainda não se manifestou. A notícia, publicada na
coluna de Daniel Castro (Ilustrada, 22 de abril), deixou os fãs do
Chaves em polvorosa.
É pena. Quer dizer, "Chaves" é
uma série precária, barata, rasteira, além de anacrônica. Mas, de
alguma forma, levou para a televisão uma série de formatos populares com enorme eficiência.
"Chaves" nasceu em 1971 como
um esquete de um programa dirigido pelo próprio Roberto Gómez Bolaños, o ator que encarna
o menino, e teve o último episódio gravado em 1983. Quando a
série estreou no Brasil, já era passado, mas mesmo assim atravessou anos a fio na programação,
repetindo os mesmos episódios,
alternando com "Chapolim Colorado", outro personagem de
Bolaños, e "Clube do Chaves",
um subproduto da série.
Com a saída de "Chaves" e a
ausência de "Os Trapalhões",
quase que desaparece da TV o
humor ingênuo, popular da programação infantil. Ambos os
programas traziam alguma coisa
das palhaçadas de circo, adultos
vestidos de forma engraçada, fazendo cabriolas.
As crianças são levadas muito a
sério pela TV de hoje, e, nessa
cartilha, comungam tanto a publicidade mais cínica quanto as
produções imbuídas das melhores intenções pedagógicas. Seja
como consumidores vorazes, seja como aprendizes em potencial, há quase nenhum espaço
para o descompromisso didático, para a besteira divertida, para
o riso frouxo. É preciso ensiná-las e já, sem muita distração.
Claro que há abismos entre o
que quer a publicidade basicamente -transformar as crianças
em monstros de exigência arrogantes e direcionar a avidez infantil para os produtos que
anuncia- e o que quer, por
exemplo, um programa com
"Cocoricó" ou o "Sítio do Picapau Amarelo" (e foi difícil pensar
em mais do que esses dois nomes). Mas, mesmo assim, há em
comum a idéia de que as crianças
não devem ser deixadas em paz
se estão diante da televisão
-melhor que aprendam a comer nuggets ou a contar até dez.
Programas como "Chaves" ou
"Os Trapalhões" partem de uma
noção de que há nos negócios
humanos, na vida cotidiana, um
ridículo quase universal, apreensível até por crianças bem pequenas, e que isso é matéria suficiente para o riso e para a diversão. É
uma concepção de entretenimento que soa, a esta altura, um
tanto antiga diante da sobre-estimulação dos desenhos animados
e da alegria obrigatória, compulsória das apresentadoras.
É entretenimento sem vergonha de sê-lo. A gratuidade nas
piadas, a pobreza proposital da
produção, o ar meio patético
provocado pela visão de adultos
fazendo papel de crianças: quase
tudo é ruim, mas, à maneira do
filme B, também pode ser bem
divertido.
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