São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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CRÍTICA

Ingenuidade se perde com o fim de "Chaves"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de mais de 20 anos na TV brasileira, "Chaves" deve deixar de ser exibido. O SBT desistiu de renovar o contrato das séries com a Televisa. A emissora mexicana ofereceu para a Record, que ainda não se manifestou. A notícia, publicada na coluna de Daniel Castro (Ilustrada, 22 de abril), deixou os fãs do Chaves em polvorosa.
É pena. Quer dizer, "Chaves" é uma série precária, barata, rasteira, além de anacrônica. Mas, de alguma forma, levou para a televisão uma série de formatos populares com enorme eficiência.
"Chaves" nasceu em 1971 como um esquete de um programa dirigido pelo próprio Roberto Gómez Bolaños, o ator que encarna o menino, e teve o último episódio gravado em 1983. Quando a série estreou no Brasil, já era passado, mas mesmo assim atravessou anos a fio na programação, repetindo os mesmos episódios, alternando com "Chapolim Colorado", outro personagem de Bolaños, e "Clube do Chaves", um subproduto da série.
Com a saída de "Chaves" e a ausência de "Os Trapalhões", quase que desaparece da TV o humor ingênuo, popular da programação infantil. Ambos os programas traziam alguma coisa das palhaçadas de circo, adultos vestidos de forma engraçada, fazendo cabriolas.
As crianças são levadas muito a sério pela TV de hoje, e, nessa cartilha, comungam tanto a publicidade mais cínica quanto as produções imbuídas das melhores intenções pedagógicas. Seja como consumidores vorazes, seja como aprendizes em potencial, há quase nenhum espaço para o descompromisso didático, para a besteira divertida, para o riso frouxo. É preciso ensiná-las e já, sem muita distração.
Claro que há abismos entre o que quer a publicidade basicamente -transformar as crianças em monstros de exigência arrogantes e direcionar a avidez infantil para os produtos que anuncia- e o que quer, por exemplo, um programa com "Cocoricó" ou o "Sítio do Picapau Amarelo" (e foi difícil pensar em mais do que esses dois nomes). Mas, mesmo assim, há em comum a idéia de que as crianças não devem ser deixadas em paz se estão diante da televisão -melhor que aprendam a comer nuggets ou a contar até dez.
Programas como "Chaves" ou "Os Trapalhões" partem de uma noção de que há nos negócios humanos, na vida cotidiana, um ridículo quase universal, apreensível até por crianças bem pequenas, e que isso é matéria suficiente para o riso e para a diversão. É uma concepção de entretenimento que soa, a esta altura, um tanto antiga diante da sobre-estimulação dos desenhos animados e da alegria obrigatória, compulsória das apresentadoras.
É entretenimento sem vergonha de sê-lo. A gratuidade nas piadas, a pobreza proposital da produção, o ar meio patético provocado pela visão de adultos fazendo papel de crianças: quase tudo é ruim, mas, à maneira do filme B, também pode ser bem divertido.


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