São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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CINEMA - REESTRÉIAS
'Cantando' e 'Oz' dançam em par

Divulgação
Judy Garland e Ray Bolger em cena de "O Mágico de Oz", dirigido por Victor Fleming, que terá exibição em cópia nova na sala Cinemateca Folha


CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Bem que as chacinas que assolam o país poderiam parar e fazer um minuto de silêncio pelo filme musical, aquele gênero de cinema em que os problemas são suspensos para as pessoas dançarem pisando nos astros distraídas.
A partir de hoje, da tela da sala Cinemateca Folha vão sair os passos de alguns desses momentos encantados. Estão sendo relançados, em programa duplo e cópias novas, "O Mágico de Oz" e "Cantando na Chuva".
Toda uma geração que só viu o technicolor desbotado na TV ou no videocassete e só ouviu falar dos musicais da Metro pelos suspiros saudosos de pais e avós vai poder se deliciar.
Para Gilles Deleuze, "o musical não se contenta em nos fazer entrar na dança, ou, o que dá no mesmo, em fazer-nos sonhar. O ato cinematográfico consiste em que o próprio dançarino entre em dança, como se entra no sonho".
Conclui: "Se o musical nos apresenta explicitamente tantas cenas funcionando como sonhos ou pseudo-sonhos com metamorfoses (como "Cantando na Chuva'), é porque ele inteiro é um gigantesco sonho, mas um sonho implicado, e que ele próprio implica a passagem de uma suposta realidade ao sonho".
Era uma fábrica de sonhos movida a canções e que talvez melhor representou a ideologia do filme americano em seu imperialismo do imaginário (o poder de fogo do western teve menos fôlego).
Arthur Freed, Vincent Minnelli, Stanley Donen e Gene Kelly foram os artífices de seu profissionalismo. Entre castas de artistas e cascatas de cenários, a música abafava os desajustes humanos.
Palco de melodramas onde o deus-ex-machina baixava quando alguém passava a cantar e a dançar, o musical foi o lugar privilegiado para a técnica do "suspension of disbelief".
Para Richard Dyer, trata-se de "um entretenimento escapista, um anseio por algo melhor: uma Utopia literal". Um tipo de filme que embaralha narrativa (realidade) e números musicais (fantasia).
Deleuze diz que "a dança surge diretamente como a potência onírica que confere profundidade e vida às vistas chapadas, que desenrola todo um espaço no cenário e para além dele, dá à imagem um mundo, envolve-a com uma atmosfera de mundo".
Dois dos mais célebres musicais da história do cinema, os filmes dançam em par. Foram fotografados por Harold Rosson e produzidos na Metro-Goldwyn-Mayer.
Se "O Mágico de Oz" ostenta a mais desbragada fantasia, "Cantando na Chuva" disseca a realidade que a sustenta. A trilha prometida leva Judy Garland e o espectador ao esplendor do gênero musical, cujo desajuste é flagrado na origem quando Donald O'Connor faz todos rirem e Gene Kelly dança no meio-fio.
Os roteiristas Betty Comden e Adolph Green criticam a engrenagem da indústria do entretenimento. "Cantando na Chuva" é contemporâneo de "Crepúsculo dos Deuses", o mordaz meta-ensaio de Billy Wilder.
Remexendo as entranhas de seu "métier", esses dois filmes fazem a autópsia da crise de uma arte, com o foco na passagem do período silencioso para o sonoro.
Cantando no caminho de Oz ou dançando na magia da chuva, o musical permanece como um movimento parado no tempo, momento magnético da imaginação redentora e inconciliável.

Filme: O Mágico de Oz Produção: EUA, 1939 Direção: Victor Fleming Com: Judy Garland, Ray Bolger Filme: Cantando na Chuva Produção: EUA, 1952 Direção: Gene Kelly e Stanley Donen Com: Gene Kelly, Donald O'Connor, Debbie Reynolds


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