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"EX-LIBRIS: CONFISSÕES DE UMA LEITORA COMUM"
O luxo doméstico das letras
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estamos diante do luxo no
sentido "camp" que a nossa
amiga Susan Sontag no famoso
ensaio divulgou como traço característico da moderna cultura
de massa: o agradável vale mais
do que a verdade. É melhor ser
agradável do que verdadeiro. A
verdade é chata.
Daí a moeda chamada sedução.
É preciso seduzir, seja como for.
Seduzir, não instruir, eis o lance
do mundo da TV. Mas acontece
que a autora Anne Fadiman, jornalista novaiorquina, não faz parte do universo audiovisual. Ela se
diz ligada à grafoesfera, ou seja, à
palavra escrita.
Filha de pais escritores, papai e
mamãe afeitos às letras, nasceu no
meio da biblioteca. Mas, atenção:
ela não me parece uma bibliófila
no sentido de cultuar os livros raros. Prefere conservar um livro de
edição recente pelas anotações
que fez nele, ou porque recorda
determinadas vivências afetivas.
Interessante é que Fadiman, talvez porque viva na maré afluente
do capitalismo norte-americano,
não fale do livro como valor de
troca, mas só da intimidade estabelecida através deles com seus
autores ou ex-possuidores.
Eu sempre fiquei intrigado com
a desenvoltura dos autores norte-americanos para falarem sobre o
seu próprio umbigo. "Nosotros",
como dizem latino-americanos,
não usufruímos desse privilégio.
A autora não se constrange
diante da palavra de ordem bolada a partir dos reacionários anos
80: volvamos ao doce lar, porque
a vida é a esfera doméstica, o que
inclui tanto o microondas quanto
livros de Shakespeare.
Somos informados: "nosso flat
repleto de livros em Nova York".
Os leitores brasileiros ficamos invejosos diante da sinfonia da goteira que castiga nossos alfarrábios pendurados em muquifos e
espeluncas. A condição existencial de Anne Fadiman repercute
evidentemente em seu estilo. Não
é mais a letra que mata; ao contrário, é o espírito. "Meu marido,
George Howe Colt, e eu conquistamos um ao outro por meio de livros e casamos nossas bibliotecas,
assim como nós mesmos, como
tive sorte com ambas as coisas".
É quase o clima de intimidade
em "Casa dos Artistas" ou em
"Big Brother Brasil", a radiografia
proustiana da modernidade televisiva. Curioso é que Fadiman declara-se antiamericana em leitura.
Só em leitura, não em política. Isso porque prefere o fracasso ao
sucesso, o quixotismo à eficiência.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "Glauber Pátria Rocha Livre"
Ex-libris: Confissões de uma
Leitora Comum
Autora: Anne Fadiman
Tradução: Ricardo Quintana
Lançamento: Editora Zahar
Preço: R$ 23 (162 págs.)
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