São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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FILARMÔNICA DE NOVA YORK

Kurt Masur se despede da orquestra

ANTHONY TOMMASINI
DO "NEW YORK TIMES"

Kurt Masur chegou sem remorsos à Filarmônica de Nova York em 1991 como um regente da velha escola: autoritário, exigente, cáustico quando insatisfeito e avaro quanto a elogios. Os músicos ficaram abalados com o comportamento intransigente do maestro alemão. Mas não demoraram muito a aceitar o amor severo de Masur. Sabiam que precisavam dele.
Os padrões haviam decaído seriamente durante o período em que Zubin Mehta foi o diretor musical da orquestra, antes que Masur assumisse. A tensão dentro do grupo era palpável durante os concertos.
Em seus mais de 20 anos como kapellmeister da Leipzig Gewandhaus Orchestra, Masur havia conquistado reputação internacional como músico formidável e consumado formador de orquestras. Ele foi trazido para restabelecer a disciplina, reconectar a filarmônica ao seu núcleo alemão de repertório e, acima de tudo, para fomentar o respeito mútuo entre os músicos.
Anteontem à noite Masur subiria ao palco no Avery Fisher Hall para reger o primeiro de três programas em noites consecutivas: são seus últimos concertos como diretor musical na série regular de apresentações da orquestra.
Não importa que critério empreguemos em nossa análise, Masur realizou aquilo que lhe haviam solicitado. E como o conselho da filarmônica o recompensou? Rescindindo o seu contrato.
Como todos os diretores musicais, ele tinha limitações. Se bem que em sua melhor forma a filarmônica toque soberbamente, houve muitas noites ao longo dos anos em que os músicos fizeram apresentações curiosamente apáticas. E, além disso, Masur não se inclina ao experimental. E nem foi assíduo na execução de compositores contemporâneos.
A melhor maneira pela qual o conselho poderia ter tratado das limitações de Masur seria na escolha de seu sucessor. Mas isso não aconteceu. Não importa que qualidades tenha como regente, Lorin Maazel jamais foi um inovador em termos de programas, do tipo que a filarmônica bem poderia usar agora.
Ainda assim, enquanto Masur se transfere para a diretoria da Orchestre National de France e continua suas muitas outras associações musicais, as realizações dele à testa da Filarmônica se destacam mais do que nunca.
Alguns consideram Masur um intérprete prosaico, mais preocupado com a retidão musical do que com a espontaneidade. Mas, com o repertório certo, ele apresenta desempenhos inspirados.
Durante seu período à frente da orquestra, os elevados ideais de Masur sobre o poder transformador da música às vezes inspiravam piadas. Até o dia 11 de setembro. Quando Masur abriu a temporada da filarmônica nove dias depois dos ataques terroristas com uma sublime interpretação do "Réquiem" de Brahms, transmitida ao vivo para todo o país pela televisão, sua escolha de repertório provou-se perfeita, um réquiem cuja preocupação maior é dar consolo aos sobreviventes.
É evidente que Masur não desempenhou papel nenhum na busca por seu sucessor, porque foi afastado do processo sem nenhuma cerimônia, quatro anos atrás, quando foi anunciado que a temporada 2001/2002 seria sua última. O conselho disse que agiu com antecedência para garantir que haveria tempo suficiente para encontrar um novo e excitante regente titular. Na verdade, a atitude foi inepta. Masur não oculta mais sua mágoa diante do fato. Em entrevista concedida a Charlie Rose no dia 21 de maio, para a TV educativa norte-americana, quando perguntado por que estava deixando a orquestra, Masur respondeu, abruptamente: "A decisão não foi minha".
A única justificativa para afastar Masur do cargo prematuramente teria sido recrutar um maestro jovem capaz de desafiar o status quo, se aproximar de compositores e atrair novas audiências. Maazel, 72, merece uma chance de provar sua capacidade. Ele é um técnico brilhante e um cérebro musical poderoso. Mas ocasionalmente suas interpretações são idiossincráticas, e ele é ainda mais obcecado com detalhes do que Masur.
Masur acreditava firmemente que tinha mais a dar a Nova York. Dois dias depois de seus acerbos comentários diante de Rose sobre a maneira pela qual foi tratado pela maioria do conselho, Masur conduziu a orquestra em uma magnífica leitura da "Terceira Sinfonia" de Bruckner. Antes do concerto, ele tomou parte em uma cerimônia, no palco, em honra de dois veteranos músicos da filarmônica que se estão aposentando depois de, respectivamente, 38 e 50 anos na orquestra e homenageando os 25 anos de trabalho de dois outros músicos.
"Esta é uma orquestra com a qual você sonha, como regente", disse Masur. Ele continua claramente dedicado aos músicos e, com toda justiça, orgulhoso da era Kurt Masur.


Tradução de Paulo Migliacci


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