São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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ROCINHA/FOTOGRAFIA

André Cypriano explora favela sem glamourização da miséria

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A favela da Rocinha é um mundo que divide ao meio boa parte (ou a parte boa?) da zona sul do Rio, encravada que fica com seus milhares de habitantes entre São Conrado de um lado e Gávea e Leblon do outro.
A maior favela do Brasil (dizem que também do mundo...) permite que se faça tudo com o que ela ostenta: que se mostre a miséria, o tráfico de drogas, a capacidade de sobrevivência de seus habitantes, seus rostos sofridos e eventualmente poéticos, a arquitetura anarco-carnavalesca de sua infinidade de moradias toscas.
Ou seja, a Rocinha é um turbilhão de imagens que podem ser captadas e ordenadas de mil maneiras possíveis.
O fotógrafo André Cypriano escolheu uma abordagem inteligente para expor sua visão da Rocinha, registrada em 45 fotos em preto-e-branco (o colorido que me desculpe, mas o preto-e-branco é fundamental para o entendimento da linguagem fotográfica) atualmente em exposição na Pinacoteca do Estado, com curadoria de Diógenes Moura.
Está tudo ali: a miséria material e humana, a negritude gritante, a infância violentada, a poesia possível dentro do caos urbano, a paisagem que se impõe e transborda e interage com a cidade-cenário maravilhosa.
O importante é como isso tudo acontece nas fotos.
Cypriano não cedeu à tentação de explorar luzes e sombras para:
1 - fazer denúncia social por intermédio de realismo chocante;
2 - glamourizar a miséria para tentar conquistar o coração do espectador com o apelo piegas de uma poesia desqualificada.
Não, a poesia dele não é barata, tampouco o fotógrafo deixa de lado a denúncia social ou o glamour, este identificável principalmente nas imagens de rostos e corpos negros reluzentes -referência óbvia a Mário Cravo Neto.
Mas não fica aí.
Explora a profundidade de campo e o "background" que a favela fornece de graça para criar um lirismo tocante (exemplo disso é a foto do pai com o bebê).
Assim como oferece pistas de que a vida ali não tem apenas a cara triste das crianças desvalidas; há também a força e a raça, exibidas com humor no diálogo de expressões dos dois rapazes em plena função hip hop.
Para completar esse quadro, fotos aéreas permitem perceber o quanto a coisa é grande e séria.
Além de alcançar notável qualidade estética, o trabalho de Cypriano ainda cumpre aquele bom e velho papel da fotografia, que é o de aglutinar elementos para que se vivencie e se interprete uma realidade.


Rocinha
   
Artista: André Cypriano
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, região central, SP, tel. 0/xx/11/ 229-9844)
Quando: de ter. a dom., das 10h às 18h, até 23 de junho
Quanto: entrada franca




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