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Na era da propaganda, todo candidato é mentiroso
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
A idéia de que os candidatos
são vendidos como sabonetes é
sem dúvida um clichê. Mas fico
na dúvida se estamos escolhendo entre determinadas
personalidades políticas ou
entre marketeiros, como Duda
Mendonça ou Chico Malfitani.
Será que o melhor candidato,
no fundo, é aquele capaz de
inspirar a melhor propaganda?
Lendo a edição da Folha de
domingo, fiquei com a impressão de que sim. O eleitorado
procura, segundo o jornal, um
misto de Lula e FHC. Estabilidade monetária com preocupação pelo social.
Nada de surpreendente nessa
notícia. Em primeiro lugar,
porque é óbvio que nenhum de
nós quer a volta da inflação.
Além disso, todos sabemos que
FHC despreza um pouco o social. Em terceiro lugar, o eleitorado se divide entre os que
desprezam o social e os que se
preocupam com o tema. De
modo que, na média, tanto
FHC quanto Lula estão certíssimos no que dizem.
Esse poder da "média" é um
pouco assustador. Faz com que
todos os candidatos se dirijam
rumo ao centro. O centro é esse
lugar do bom senso, que quer
pleno emprego e inflação zero,
escolas e energia atômica, a
cura da Aids e a preservação
da floresta amazônica.
Para ser um pouco weberiano, como gosta FHC, observo
que o "centro" pode ser o ponto
para onde convergem valores,
mas não é o ponto onde os
meios se encontram. Ou seja, o
discurso pode agradar a todos,
mas a prática envolve decisões
radicais.
Todos queremos a modernização do país (essa mistura de
cartões de crédito com carros
importados e redes de lanchonetes), mas desejamos também
o fim do desemprego. Obviamente são dois objetivos contraditórios. Os carros melhores
trazem desemprego; os cartões
de crédito internacionais exigem reservas cambiais, estas
exigem câmbio supervalorizado e juros internos altos... Que
sei eu? Não sou economista.
Só conheço a atitude psicológica da classe média brasileira,
que quer tudo pelo social, desde que sem sacrifícios. "Classe
média", aqui, é eufemismo.
Pois, num país que ostenta a
maior desigualdade de renda
do planeta, todo privilégio surge como necessidade mínima,
todo direito é privilégio, e todo
sacrifício é abuso.
Ou seja, tenho direito a meus
cartões de crédito internacionais! Eu, como consumidor,
não posso ser desrespeitado e
compro um carro coreano. Cada aumento de imposto será
mais do que um roubo, será
um atentado a meu direito de
entrar na modernidade.
De modo que a suposta "classe média" passa a entender como direitos tudo aquilo que
compõe o seu vasto rol de privilégios. Ao mesmo tempo, angustia-se com o "social".
No lado oposto, o lado do
"social", há todo um discurso
em torno dos direitos. Direito
ao trabalho, direito à terra etc.
Como tudo está muito bem
consolidado no Brasil, esses direitos surgem como usurpações. O direito à terra se torna
invasão de propriedade. Toda
reivindicação pública se torna
corporativa. O famoso "grito
dos excluídos" parece ser mais
uma defesa de privilégios do
que uma reivindicação de direitos, já que só temos ouvidos
para o que é privilégio.
Nesse misto de culpa e de
acusação, desenvolve-se a
campanha eleitoral. Nega tudo
o que foi dito acima, já que
procura a conciliação e o "bom
senso". Obviamente o bom senso é governista. Obviamente
todo candidato oposicionista
terá de dizer que, a despeito de
tantos rumores, o caos será
evitado.
De modo que a idéia de mudança -imediatamente associada com o caos- vai sendo
exorcizada por todos. Mas, se o
importante é tranquilizar o investidor estrangeiro e dizer
que Lula não é o diabo que estão pintando, por que não votar de novo em FHC?
Cria-se, com a propaganda
eleitoral, uma "média" perversa. Essa "média" praticamente
obriga cada candidato a trair
seus compromissos de campanha. Um deles será menos "social" do que prometeu, o outro
será menos incendiário do que
imaginam. Incendiário? Não.
Será menos crítico do que pensamos.
O resultado das campanhas
de marketing político pode beneficiar a um ou a outro dos
candidatos, mas destrói claramente a credibilidade do sistema político. Como o princípio
de toda publicidade moderna é
a ironia, o distanciamento
brechtiano, celebra-se a mentira como mecanismo válido para a ascensão ao poder. Depois,
são outros quinhentos...
O resultado é que cada eleição passa menos a representar
uma decisão séria, uma opção
entre diferentes modos de vida,
uma cisão entre direitos e sacrifícios, entre usurpações e benefícios, do que uma perfumaria na qual os valores e os
meios para atingi-los se conciliam magicamente. Trata-se
de agir "pela média", de contentar todo mundo.
Como é impossível contentar
todo mundo, o esforço de cada
candidato será o de moderar
aqueles a quem representa. Será o de ser um traidor. Traidor
nobre e lúcido (o caso de FHC)
ou traidor trágico, hamletiano, perseguido (o caso de Lula). A propaganda rege o debate político. Ignora o tema da
ruptura, da excentricidade, da
verdade. Na média das opiniões, aposta na mentira geral.
Não tem importância. Qualquer um, se for eleito, poderá
dizer em rede nacional que
não traiu seus compromissos.
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