|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ERUDITO
Alemão chora ao final da "Sinfonia nº 1", regendo a Orquestra Acadêmica no Festival Internacional de Campos do Jordão
Kurt Masur comanda Mahler com entusiasmo
IRINEU FRANCO PERPETUO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPOS DO JORDÃO
Ao acorde final da "Sinfonia
n.º 1" de Mahler, que encerrou sua apresentação de sexta-feira no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, Kurt
Masur chegou às lágrimas.
Não se pode dizer que a vida do
regente tenha sido pobre em
emoções. Aos 78 anos de idade,
ele já tem tranqüilamente o lugar
garantido na posteridade, com
mais de uma centena de gravações, currículo enriquecido com a
chefia de orquestras do porte da
Gewandhaus de Leipzig e as filarmônicas de Londres e Nova York,
e até um papel de destaque na
transição política na antiga Alemanha Oriental.
Mesmo assim, Masur chorou. E
não foi seu concerto mais impecável. Problemas de equilíbrio e afinação nos mostravam, aqui e ali,
que a Orquestra Acadêmica,
constituída pelos bolsistas do festival, possuía jovens de inegável
talento, mas que só haviam tocado juntos uma vez, e ainda tinham muito o que aprender.
No pungente "Adágio" de Barber, que abriu o programa (tema
do filme "Platoon", de Oliver Stone), as cordas estiveram perto da
perfeição, graças à excelência de
professores do festival que a reforçavam, como o "spalla" Davi
Graton e o violoncelista Raïff
Dantas Barreto.
Colocadas à direita do regente,
em posição invertida com os violoncelos, as violas -a cargo de
outro professor, Alexandre Razera- esbanjaram excelência ao
longo de toda a apresentação,
mostrando que, afortunadamente, vai já longe o tempo em que era
inconcebível elogiar violas brasileiras, mesmo nas orquestras profissionais.
Com a "Abertura Festival Acadêmico" de Brahms, vieram os
sopros e o desequilíbrio. Masur
rege a obra de cor e com profundo
conhecimento de cada uma das
canções estudantis que compõem
o pot-pourri brahmsiano.
Mas a textura transparente da
peça acaba expondo as limitações
dos jovens instrumentistas.
Na segunda parte, o desafio
maior: Mahler. Se Kurt Masur tivesse vindo ao Brasil apenas para
"cumprir tabela", teria optado
por tempos e dinâmica "de segurança" -uma leitura achatada,
sem paixão ou riscos.
Felizmente, não foi o caso. Regendo sem partitura, o maestro
buscou os contrastes da "Sinfonia
n.º 1" e exigia da orquestra pianíssimos que se mostravam difíceis
até mesmo para os professores do
festival que chefiavam os naipes
de madeiras e metais durante a
execução da obra.
Neste Mahler sem rede de segurança, tombos pareciam praticamente inevitáveis, tanto na delicadíssima introdução do primeiro
movimento, quanto nos jogos de
selvagens jogos de intertextualidade do terceiro.
Em compensação, o caráter
dançante do segundo movimento
da sinfonia exalou uma "joie de
vivre" nem sempre presente nas
execuções das orquestras adultas.
A sorte de uma sinfonia como a
primeira de Mahler se decide
mesmo é no final, longo e emocionalmente intenso, que sintetiza a música dos movimentos anteriores.
Difícil dizer se foi Masur quem
galvanizou a Orquestra Acadêmica ou se foi o entusiasmo de seus
integrantes que contagiou o
maestro.
Música não se faz apenas com
notas certas, e a apresentação de
Campos do Jordão testemunhou,
de maneira eloqüente, que uma
execução entusiasmada, ainda
que com falhas, é mil vezes preferível à frieza dos burocratas sinfônicos, que executam todas as notas com exatidão enquanto pensam apenas no holerite do mês.
Foi um Mahler empolgado e empolgante.
Com um didatismo condizente
com sua condição de professor do
festival, Masur explicou as afinidades estéticas e geográficas que o
levaram a escolher uma das
"Danças Eslavas" de Dvorák para
o bis. Pedidos para mais repetições houve, veementes e insistentes. No entanto, o maestro preferiu dizer basta.
Negado o bis extra de sexta,
anuncia-se outro, mais importante: dizem que ele gostou tanto do
festival que prometeu voltar uma
vez a cada dois anos. Tomara que
seja verdade.
Avaliação:
O jornalista Irineu Franco Perpetuo
viajou a Campos do Jordão a convite da
organização do festival
Texto Anterior: Líder festeja volta do Judas Priest Próximo Texto: Compositor- residente é bom modelo Índice
|