São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

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LITERATURA

Em "Louis Drax", que será filmado por Anthony Minghella, Liz Jensen oferece conforto e esperança num coma

Escritora defende fuga ao inconsciente

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

A escritora inglesa Liz Jensen gosta de narradores improváveis. Algo como Brás Cubas, em suas memórias póstumas, que ela lamenta desconhecer. Ou Susie Salmon, em "Uma Vida Interrompida", de Alice Sebold, que ela cita. Em "A Nona Vida de Louis Drax" (Nova Fronteira), seu personagem principal retira, de seu estado de coma, conforto e os elementos de sua narrativa: memórias familiares, lembranças de uma vida acidentada.
Em cada um de seus nove aniversários, Louis Drax esteve próximo da morte: aos quatro anos, berrou tanto que ficou nove minutos e meio sem respirar. Teve tétano, botulismo e meningite. Está em coma desde que caiu de um precipício, durante um piquenique com os pais. Mas, seria mesmo acidente? Ou tentativa de homicídio?
"A Nova Vida de Louis Drax" é o quinto romance de Jensen, ex-jornalista e escultora, mas apenas seu primeiro livro editado no Brasil. O mistério que envolve o destino de Louis, sua mãe e o médico que cuida do menino, ecoa o passado da própria autora: em 1937, numa viagem à Suíça, sua avó materna foi encontrada morta num precipício.
Jensen diz que o livro poderia ser visto como uma tentativa inconsciente de dar forma a uma história do passado de sua família, que nunca teve um começo, meio ou fim adequados. Ou uma oportunidade de catarse para sua mãe. Nenhum dos dois. Seu interesse confesso, ou consciente, são as "fronteiras indistintas", expressas no estado comatoso de seu personagem.
"Acho que o coma é basicamente um estado de sonho. Ao menos foi assim que tentei descrevê-lo em meu livro", diz a autora em entrevista à Folha, sustentando que seu romance pode servir de abrigo, em dias tão sombrios. "Um refúgio em que um garoto encontra esperança e conforto no lugar mais desolado do mundo: sua própria mente, presa numa armadilha."
Afora a sutil fronteira entre consciente e inconsciente, o romance de Jensen tem outra linha tênue: a que separa o suspense do humor. Uma dualidade que faz a autora citar o poeta americano T.S. Eliot: "O ser humano não pode suportar muita realidade".
Ela, tampouco. "Não consigo suportar um só tipo de realidade, sem o outro. O claro e o escuro se complementam. As pessoas dizem piadas em funerais porque precisam. O humor é vital à moral humana, o triunfo do espírito humano na adversidade. Às vezes, nossa única arma contra o desespero", diz Jensen. "Por isso quero que meus leitores chorem mas também riam", complementa.
Jensen conta que gosta de escrever na primeira pessoa. Antes de começar o quinto livro, já tinha em mente fazê-lo do ponto de vista de um garoto. Buscou, então, inspiração na fala de seus próprios filhos, meninos de 12 e 7 anos, a um só tempo cruel e bem-humorada, para dar voz a Louis Drax. Mas, como sugerir a narrativa de uma mente em coma?
"Não foi tão difícil. O grande barato de escrever ficção é que você pode fazer qualquer coisa e ir a qualquer lugar. Não me senti inibida porque não há limites quando se está escrevendo. Eu tinha a voz deste menino na cabeça e ela guiou a narrativa".

Do papel às telas
Com publicação prevista para 16 países, "A Nona Vida de Louis Drax" teve seus direitos de adaptação para o cinema disputados pela Warner e a Miramax. Venceu a segunda, que deixou roteiro e direção a cargo de Anthony Minghella. O diretor, que já levou às telas adaptações como "O Paciente Inglês", de Michael Ondaatje, e "O Talentoso Ripley", de Patrícia Highsmith, deve filmar sua versão do livro em 2006.
"Nunca mergulhei num mundo que é delimitado pelos parâmetros de um crânio, como este livro, que captura a imaginação de uma criança de nove anos em coma", disse Minghella, numa entrevista à BBC. "Adaptar para o cinema uma leitura fantástica como esta era um desafio bom demais para se recusar."


A Nona Vida de Louis Drax
Autora: Liz Jensen
Tradutora: Vera Ribeiro
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 29 (288 páginas)



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