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"Profissão Repórter" sintetiza linguagem do cinema moderno
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
A câmera se afasta do corpo de Jack Nicholson,
deitado na cama de um
hotel vagabundo em um vilarejo espanhol; passa pela janela
do quarto, passeia pelo pátio
onde carros estão estacionados
e se detém em alguns personagens, antes de retomar seu movimento lento, quase imperceptível, para então voltar ao
quarto e ao corpo do ator -cujo
personagem, agora, está morto.
Essa imagem, que está nos
minutos finais de "Passageiro:
Profissão Repórter" (1975), tornou-se uma espécie de síntese
do cinema moderno -além de
fetiche de muitos cinéfilos, cineastas e técnicos, que até hoje
tentam desvendar seu virtuosismo técnico (a câmera, entre
outra proezas, "atravessa" uma
cerca sem que haja cortes).
Mas essa imagem é emblemática não só por ser um plano-seqüência virtuoso, na
grande tradição inaugurada
por Orson Welles, mas principalmente por conter em si as
características mais importantes do cinema moderno: a imagem que incorpora o tempo (recusando o corte da montagem)
e o chamado extra-campo, ou
seja, aquilo que está fora do
quadro.
A "informação" mais importante desse plano para a compreensão narrativa do filme está fora da imagem. É o som do
tiro que mata o personagem de
Nicholson. Antonioni chegou a
dizer que só criou esse plano
para não precisar mostrar o assassinato: "A idéia de vê-lo
morrer me aborrecia".
Um tiro que não se vê e que
dá fim à vida "dupla" do personagem central, um repórter
que, lá no começo do filme, assumiu a identidade de um traficante de armas. "Trama" que
resume uma aflição presente
até hoje em tantos filmes, mas
que raramente encontrou expressão tão "precisa" -cuja
força está, justamente, em sua
imprecisão.
Sem medo do silêncio
Antonioni não tem medo do
silêncio e do vazio, ou seja, das
lacunas que fazem parte da
nossa experiência de mundo,
mas que o cinema, até então,
recusava-se a enxergar.
Esse modo de ver se expressa
em um trabalho de câmera genial, que nos obrigou a ver o cinema com novos olhos e transformou Antonioni em um cineasta de assinatura inconfundível, presente até em seus filmes mais recentes, como o criticado episódio do longa "Eros"
ou o genial curta "O Olhar de
Michelangelo".
Se Antonioni tivesse filmado
apenas esse plano em toda sua
vida, o fim de "Passageiro: Profissão Repórter" já teria justificado sua importância como cineasta. Mas a sua obra comporta muitas outras imagens marcantes que, de alguma forma,
fazem parte do imaginário contemporâneo, como os corpos
no deserto e as explosões fragmentadas de "Zabriskie Point"
ou a névoa industrial que toma
conta da imagem e faz desaparecer a atriz Monica Vitti em
"Deserto Vermelho". Imagens
que permanecem.
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