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Crítica/"Carioca"
Um show apolíneo e "paulista"
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
Não há nada de superficialmente carioca no
show de Chico Buarque. O título da turnê é ilusório,
se compreendido como um
anúncio da reiteração de clichês associados ao "estado de
espírito" carioca, ao "temperamento expansivo" ou à exaltação narcísica dos encantos da
Cidade Maravilhosa.
Na realidade, "Carioca" é um
show bastante "paulista", construído e cerebral -quase um
concerto. Deixando de lado essa dualidade provinciana, pode-se dizer que predomina no
palco a face apolínea do compositor (que também tem a sua
dionisíaca). Ela se impõe na
concepção contida, quase minimalista que rege os ótimos arranjos, a execução e também a
articulação do repertório.
As quase 30 músicas que
compõem o show, cantadas
sem conversas com o público,
vão se abrindo como páginas de
um livro. É comum em rodas de
música que canções puxem
canções: esta lembra "aquela"
e, nessa toada, uma série musical vai se formando sem ter fim.
Em "Carioca", essa situação
banal, de uma canção que sai de
dentro da outra, por associações temáticas, melódicas ou
de palavras, é elevada a um
exercício autoral rigoroso, deixando transparecer o esforço
de quem compõe uma narrativa milimétrica.
Creio que foi Antonio Carlos
de Brito, o saudoso Cacaso, crítico, poeta e letrista, quem certa vez classificou a safra poética
da juventude dos anos 70 como
uma espécie de "poemão" geracional, composto pelos diversos poemas individuais. "Carioca" é um "poemão" de Chico.
Não, certamente, "o" poemão,
mas um recorte expressivo de
sua produção.
E nisso, há sim, algo de propriamente carioca no show,
pois Chico, afinal (como, aliás,
grande parcela dos compositores brasileiros), deve muitíssimo de sua composição à riqueza musical do Rio, de Pixinguinha e Noel Rosa a Tom Jobim,
passando pela Mangueira e por
outras tantas derivas do samba.
Significativamente, é com
"Voltei a Cantar", de Lamartine
Babo, que o show é iniciado.
Como tema, o Rio aparece no
cenário de Helio Eichbauer e
em um terço das canções -como computou Luiz Fernando
Vianna, anteontem, ao apresentar "Carioca" nesta Ilustrada. A cidade, de uma maneira
geral, como sugerem canções
mais recentes do compositor, é
cantada em tom de melancolia
e desolação, em acordo com a
chave maior representada pelo
divisor de águas "Bye Bye Brasil".
Sim, é cada vez mais difícil
cantar o Rio (ou o Brasil) que
"mora no mar e sorri de tudo".
A cena, então, parece dominada por um certo sabor de despedida na convivência, como se
o poeta visse a musa (e o país, a
cidade, a canção popular, o
tempo) perder o viço, mas dela
não pudesse mais se dissociar.
O clima quase frio de concerto, é pontuado, aqui e ali, pelos
inevitáveis gritos de "eu-te-a-mo!" do público embevecido e
por alguns números mais descontraídos, como o dueto que
Chico faz, ao tamborim, como
Wilson das Neves. Mas é só a
partir do "bis" que a atmosfera
de descontração envolve, enfim, palco e platéia.
Aos aplausos, as pessoas se
levantam das apertadíssimas
mesas do Tom Brasil e pedem
suas canções favoritas. É uma
longa seqüência de saídas e voltas, na qual Chico apresenta, finalmente, um sucesso dos anos
60, "Quem Te Viu, Quem Te
Vê". No enésimo retorno do
cantor ao palco, José Simão
passa de saída e comenta, jocoso: "Não precisava voltar de novo". Um fã especial se anima e,
de pé, arrisca seu pedido: "A
Banda!". É o senador Eduardo
Suplicy. Não foi atendido.
CARIOCA
Quando: (qui., às 21h30; sex. e sáb., às 22h; dom., às 19h); até 15/10
Onde: Tom Brasil Nações Unidas (r. Bragança Paulista, 1.281, tel. 0/xx/
11/ 2163-2000)
Quanto: entre R$ 80 e R$ 160
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