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"NOVA YORK - ANTES E DEPOIS DO ATENTADO"
Livro trilha caminho da ode de amor ao pesar doloroso
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este "Nova York - Antes e Depois do Atentado", de Sérgio Dávila, pode ser descrito com pouquíssimas palavras: maravilhoso,
poético, triste... emocionante...
profético. Mas prefiro defini-lo
como uma ode de amor a uma
cultura e à cidade que melhor expressa essa cultura (violentamente cruel e inventiva, criativa e autofágica) que é a Big Apple.
Ao mesmo tempo, essa ode passa por uma transformação impactante e vira um pesar, um pesar
doloroso e confuso, quando colapsa a cultura e a cidade que a
contém com os ataques de 11 de
setembro. Bem, tenho que dizer
que sou suspeitíssimo para fazer
uma resenha sobre o trabalho de
Sérgio Dávila, pelos amigos que
somos e por tudo que passamos,
escrevendo para esse mesmo jornal, de pontos diferentes dessa
Nova York que ele descreve de
uma forma tão deslumbrante e
tão povoada de "characters" que
às vezes parece que estamos sendo envolvidos por uma Nova
York criada por uma espécie de
mistura entre Paul Auster e Flaubert (e às vezes Dante).
Dávila "vive" uma nova Nova
York e espreme seu sumo melhor
que qualquer outro livro que eu já
tenha lido a respeito da cidade onde moro praticamente desde a
pós-adolescência. Exagero meu?
De jeito nenhum. Mesmo na parte
que ele chama de "antes", onde a
cidade é descrita por um cidadão
que se mete, se intromete, penetra, pentelha e cavuca os buracos e
botecos da cidade em curtíssimos
e poéticos textos, não me lembro
de ler (nem nas inspiradíssimas
crônicas de Tom Wolfe ou de Milos Foreman para o "New Yorker"
na década de 70, ou nos artigos de
Paulo Francis para o "Pasquim",
na mesma década) textos tão objetivos e, ao mesmo tempo, passionais, pessoais e recheados de
conteúdo, às vezes até profético.
Existe uma estranha personalidade dentro do Sérgio Dávila autor dessa compilação. Ele é um
ator que enxerga uma situação e
entende uma cena como se estivesse vendo-a através do prisma
de uma personagem que depois
informa ou reporta as suas experiências ao autor Sérgio Dávila.
Essa Nova York de Dávila poderia ser uma peça teatral, assim como "Esperando Godot", escrita
em dois atos. Apesar de distanciados por um breve intervalo, os
atos se parecem, mas se antagonizam, um sendo a sombra do outro. E não há sombra mais trágica
que esse segundo ato no livro de
Dávila, já que ela é a parte que
descreve os ataques que derrubaram o World Trade Center e os tenebrosos dias que se seguiram.
Mas há uma enorme semelhança entre os dois atos, já que são interpretados pelo mesmo olhar tímido de alguém que sabe demais
e entende que não pode transbordar suas emoções em demasia,
pois escreve para um jornal e não
está fazendo uma defesa de tese
acadêmica. Essa estranhíssima lucidez é o que transforma um livro
de experiências vividas pelo "cidadão" Dávila num depoimento
em que o leitor acaba por absorver os tremores de terra que o repórter vivenciou, desde o dia em
que o mundo ainda era uma enorme sitcom até a fatídica manhã da
tragédia, um ícone em si, com começo e meio, mas ainda sem fim.
Dávila nos conduz pelo cotidiano nada usual de alguém que mora na cidade. Ele se coloca em situações e experimenta o gosto de
eventos ainda considerados míticos pelo público em geral (como
sentar ao lado de Al Pacino num
restaurante ou conseguir assistir
"depois de muita insistência" a
uma gravação do programa de
David Letterman).
Sérgio Dávila é um ser pop. Nova York, mesmo amputada, continua sendo pop. Ele é fascinado
pelo mundo leve da cultura americana porque entende seu lado
morbidamente pesado, escapista,
terapêutico assim como os antidepressivos são meros panos
quentes prestes a explodir. E é assim, por meio dessa leveza pesada, que o autor nos leva para dar
um passeio que vai desde o desconfiado fascínio de um estrangeiro esperto até o mais mórbido
período histórico e traduz, nesse
rápido passeio, tudo aquilo que
representa morar nos EUA.
Em vez de ver a cultura e a vida
americana por um binóculos crítico, Dávila chafurda na lama como o melhor dos atores, nos emociona quando sua "distanciada"
emoção nos mostra o que é ser
impregnado com seu simbolismo
teologicamente autoreferente todos os dias, o tempo todo, ensurdecedor, enlouquecedor de ouvir
um God Bless América e vê-lo se
transformando numa sinfonia serialista e atonal com conotações
horrendas e horrendamente hegemonistas.
Eu poderia me estender por horas, sublinhando momentos sublimes, hilários e trágicos. Mas
prefiro simplesmente agradecer o
autor por tê-lo escrito de uma forma tão genial e tão contaminadora que seu testemunho passa a ser
obrigatório para todos aqueles
que tentam entender o que está
acontecendo no mundo nesse
momento maluco, nesse intermezzo entre o "antes" e o "depois" de algo que não tem pé nem
cabeça, lógica ou justificativa, corpo ou membros definidos. Sérgio
Dávila está com a massa crua na
mão. E nunca uma massa crua teve um gosto tão bom.
Gerald Thomas é autor e diretor de
teatro
NOVA YORK - ANTES E DEPOIS DO
ATENTADO. De: Sérgio Dávila. Editora:
Geração Editorial. Quanto: R$ 25 (256
págs.).
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