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MÚSICA
São dez CDs que cobrem a produção de importantes nomes como Francisco Mignone e Villa-Lobos
Sai último lote da Série Acervo Funarte
IRINEU FRANCO PERPÉTUO
especial para a Folha
Chega ao fim um longo, ambicioso e algo desorganizado projeto de resgate da produção musical
brasileira erudita e popular. Estão
sendo lançados os dez discos que
compõem o último lote da Coleção Itaú Cultural - Série Acervo
Funarte.
Lançada em meados de 97, ainda com o nome Acervo Funarte
da Música Brasileira, a coleção do
selo Atração Fonográfica colocou,
ao todo, 65 discos no mercado.
Trata-se de antigos LPs do acervo da Funarte que foram remasterizados e transformados em CD.
Erudito
Na área erudita, dois discos do
lote final lembram a obra de Francisco Mignone (1897-1986), compositor paulista da escola nacionalista que teve atuação marcante
no meio musical do Rio de Janeiro, e teve uma de suas peças -a
"Congada"- interpretada pela
Filarmônica de Viena, regida por
Richard Strauss, em 1923.
Não é a famosa orquestra austríaca que aparece nos CDs, e sim
a Sinfônica Nacional da Rádio
MEC, regida pelo próprio compositor, e tendo como solista o fagotista francês radicado no Rio de
Janeiro Noel Devos.
Há ainda um disco com peças
para piano de Furio Franceschini
(1880-1976) e outro em que o duo
formado por Oscar Borgerth (violino) e Ilara Gomes Grosso (piano) interpreta obras de Villa-Lobos para esta formação.
Este último consolida a tendência mais importante da coleção no
que tange se refere a compositores clássicos: a de montar um expressivo panorama da música de
câmera escrita no Brasil.
Nos lotes anteriores, saíram
itens como as sonatas para violoncelo e piano de Camargo
Guarnieri (na interpretação de
Antonio del Claro e Lais de Souza
Brasil) e o Trio da Rádio MEC interpretando obras de Guerra-Peixe e Heitor Alimonda.
Mas o grande destaque vai para
negligenciados compositores da
virada do século: Alberto Nepomuceno, Henrique Oswald e Leopoldo Miguez.
Nepomuceno está num disco
no qual o Quarteto de Cordas da
Rádio MEC (com uma formação
diferente em cada peça) interpreta seus quartetos de nº 1 e3, enquanto Oswald é representado
por um CD em que Elisa Fukuda
(violino), Antonio del Claro (violoncelo) e José Eduardo Martins
(piano) interpretam o "Trio em
Sol Menor" e a "Sonata em Mi
Maior".
Miguez se faz presente com sua
melhor obra de câmera, a "Sonata
op.14 em Lá Maior", em gravação
ao vivo de Mariuccia Iacovino
(violino) e Arnaldo Estrella (piano).
Nepomuceno
O cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) era um cosmopolita, que estudou na Europa e travou relações com algumas das
principais personalidades musicais de sua época, como o compositor norueguês Edvard Grieg.
O contato com Grieg despertou
no compositor a preocupação nacionalista refletida em obras como a "Série Brasileira" e "Galhofeira", para piano solo, embora
suas melhores peças sejam em
idioma francamente europeu, como o sofisticado "Trio em Fá Sustenido Maior", e a impressionante "Sinfonia em Sol Menor", fortemente influenciada por Brahms.
Os quartetos de cordas, escritos
na juventude, não chegam a atingir a estatura das melhores obras
de Nepomuceno, mas já deixam
entrever alguns aspectos importantes, como o vigor estrutural e o
corte nacionalista (embora não
inclua temas explicitamente folclóricos, o "Quarteto nº 3" é denominado "Brasileiro").
Embora visto hoje como um
precursor do nacionalismo, Nepomuceno talvez merecesse mais
ser valorizado como um dos melhores compositores brasileiros
do período romântico.
Oswald
Sob este prisma, os único habilitados a rivalizar com ele seriam
Henrique Oswald (1852-1931) e
Leopoldo Miguez (1850-1902).
Nascido no Rio de Janeiro, mas
filho de pai suíço e mãe italiana,
Oswald também estudou na Europa, para onde se mudou aos 16
anos de idade, só vindo a se radicar no Brasil aos 60 anos de idade.
Jamais se engajou no nacionalismo musical, mas acabou sendo
o professor de alguns de seus
principais expoentes, como Luciano Gallet, Fructuoso Viana e
Lorenzo Fernandez.
O fato é que a escrita de Oswald
atingiu um refinamento que dificilmente foi igualado por outro
compositor brasileiro, de qualquer período.
Sua música de câmera tem um
sabor "pré-impressionista" que
lembra Fauré, e certamente mereceria mais espaço nas salas de
concerto.
Miguez, por sua vez, foi influenciado pelos compositores "vanguardistas" do século 19, como
Wagner e Liszt, embora sua sonata para violino e piano tenha forte
sotaque francês.
Com sua surpreendente fuga
em si bemol menor no terceiro
movimento, a obra é, de qualquer
forma, a melhor peça brasileira
no gênero, o que transforma em
indispensável o disco da Funarte.
Chopin
Oswald, Nepomuceno e Miguez
aparecem ainda em "Noturnos
Brasileiros". Eclético panorama
no qual a pianista Ana Cândida
reúne peças de compositores nacionais de diversos períodos, que
têm em comum o fato de receberem o título de "Noturno". Embora os primeiros noturnos tenham
sido compostos pelo irlandês
John Field (1782-1837), foi Chopin quem popularizou estas peças
que se assemelham a canções sem
palavras, de caráter onírico e meditativo, buscando evocar a noite.
De Brasílio Itiberê da Cunha a
Villa-Lobos, os autores brasileiros
não escondem, nestas peças, sua
dívida com o compositor polonês
-e é exatamente Villa-Lobos,
aquele que trata a forma de maneira mais original, quem vai deixar esta dívida mais explícita, chamando seu noturno de "Homenagem a Chopin".
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