São Paulo, Segunda-feira, 01 de Novembro de 1999
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MÚSICA
São dez CDs que cobrem a produção de importantes nomes como Francisco Mignone e Villa-Lobos
Sai último lote da Série Acervo Funarte

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
especial para a Folha

Chega ao fim um longo, ambicioso e algo desorganizado projeto de resgate da produção musical brasileira erudita e popular. Estão sendo lançados os dez discos que compõem o último lote da Coleção Itaú Cultural - Série Acervo Funarte.
Lançada em meados de 97, ainda com o nome Acervo Funarte da Música Brasileira, a coleção do selo Atração Fonográfica colocou, ao todo, 65 discos no mercado.
Trata-se de antigos LPs do acervo da Funarte que foram remasterizados e transformados em CD.

Erudito
Na área erudita, dois discos do lote final lembram a obra de Francisco Mignone (1897-1986), compositor paulista da escola nacionalista que teve atuação marcante no meio musical do Rio de Janeiro, e teve uma de suas peças -a "Congada"- interpretada pela Filarmônica de Viena, regida por Richard Strauss, em 1923.
Não é a famosa orquestra austríaca que aparece nos CDs, e sim a Sinfônica Nacional da Rádio MEC, regida pelo próprio compositor, e tendo como solista o fagotista francês radicado no Rio de Janeiro Noel Devos.
Há ainda um disco com peças para piano de Furio Franceschini (1880-1976) e outro em que o duo formado por Oscar Borgerth (violino) e Ilara Gomes Grosso (piano) interpreta obras de Villa-Lobos para esta formação.
Este último consolida a tendência mais importante da coleção no que tange se refere a compositores clássicos: a de montar um expressivo panorama da música de câmera escrita no Brasil.
Nos lotes anteriores, saíram itens como as sonatas para violoncelo e piano de Camargo Guarnieri (na interpretação de Antonio del Claro e Lais de Souza Brasil) e o Trio da Rádio MEC interpretando obras de Guerra-Peixe e Heitor Alimonda.
Mas o grande destaque vai para negligenciados compositores da virada do século: Alberto Nepomuceno, Henrique Oswald e Leopoldo Miguez.
Nepomuceno está num disco no qual o Quarteto de Cordas da Rádio MEC (com uma formação diferente em cada peça) interpreta seus quartetos de nº 1 e3, enquanto Oswald é representado por um CD em que Elisa Fukuda (violino), Antonio del Claro (violoncelo) e José Eduardo Martins (piano) interpretam o "Trio em Sol Menor" e a "Sonata em Mi Maior".
Miguez se faz presente com sua melhor obra de câmera, a "Sonata op.14 em Lá Maior", em gravação ao vivo de Mariuccia Iacovino (violino) e Arnaldo Estrella (piano).

Nepomuceno
O cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) era um cosmopolita, que estudou na Europa e travou relações com algumas das principais personalidades musicais de sua época, como o compositor norueguês Edvard Grieg.
O contato com Grieg despertou no compositor a preocupação nacionalista refletida em obras como a "Série Brasileira" e "Galhofeira", para piano solo, embora suas melhores peças sejam em idioma francamente europeu, como o sofisticado "Trio em Fá Sustenido Maior", e a impressionante "Sinfonia em Sol Menor", fortemente influenciada por Brahms.
Os quartetos de cordas, escritos na juventude, não chegam a atingir a estatura das melhores obras de Nepomuceno, mas já deixam entrever alguns aspectos importantes, como o vigor estrutural e o corte nacionalista (embora não inclua temas explicitamente folclóricos, o "Quarteto nº 3" é denominado "Brasileiro").
Embora visto hoje como um precursor do nacionalismo, Nepomuceno talvez merecesse mais ser valorizado como um dos melhores compositores brasileiros do período romântico.

Oswald
Sob este prisma, os único habilitados a rivalizar com ele seriam Henrique Oswald (1852-1931) e Leopoldo Miguez (1850-1902).
Nascido no Rio de Janeiro, mas filho de pai suíço e mãe italiana, Oswald também estudou na Europa, para onde se mudou aos 16 anos de idade, só vindo a se radicar no Brasil aos 60 anos de idade.
Jamais se engajou no nacionalismo musical, mas acabou sendo o professor de alguns de seus principais expoentes, como Luciano Gallet, Fructuoso Viana e Lorenzo Fernandez.
O fato é que a escrita de Oswald atingiu um refinamento que dificilmente foi igualado por outro compositor brasileiro, de qualquer período.
Sua música de câmera tem um sabor "pré-impressionista" que lembra Fauré, e certamente mereceria mais espaço nas salas de concerto.
Miguez, por sua vez, foi influenciado pelos compositores "vanguardistas" do século 19, como Wagner e Liszt, embora sua sonata para violino e piano tenha forte sotaque francês.
Com sua surpreendente fuga em si bemol menor no terceiro movimento, a obra é, de qualquer forma, a melhor peça brasileira no gênero, o que transforma em indispensável o disco da Funarte.

Chopin
Oswald, Nepomuceno e Miguez aparecem ainda em "Noturnos Brasileiros". Eclético panorama no qual a pianista Ana Cândida reúne peças de compositores nacionais de diversos períodos, que têm em comum o fato de receberem o título de "Noturno". Embora os primeiros noturnos tenham sido compostos pelo irlandês John Field (1782-1837), foi Chopin quem popularizou estas peças que se assemelham a canções sem palavras, de caráter onírico e meditativo, buscando evocar a noite.
De Brasílio Itiberê da Cunha a Villa-Lobos, os autores brasileiros não escondem, nestas peças, sua dívida com o compositor polonês -e é exatamente Villa-Lobos, aquele que trata a forma de maneira mais original, quem vai deixar esta dívida mais explícita, chamando seu noturno de "Homenagem a Chopin".


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