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RODAPÉ
Literatura brasileira antes e depois do "achamento"
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Antologias da literatura
brasileira publicadas no exterior são um caminho de mão
dupla. Por um lado, podem nos
dar uma visão de conjunto que
nós mesmos não conseguimos ter
(principalmente em relação à
produção recente, na qual é sempre difícil separar o joio do trigo).
Por outro, mostram qual a imagem de nossa cultura literária que
está sendo divulgada em outras
línguas.
Já tive a oportunidade de comentar aqui a importância de algumas antologias de poesia brasileira contemporânea publicadas
recentemente nos EUA, na Espanha e em Portugal. É bem mais raro, porém, que surja uma coletânea abrangente, reunindo textos
de todos os períodos da história
brasileira, compreendendo não
apenas poesia, mas também prosa e teatro. Por isso, o livro "Scrittori Brasiliani: Testi e Traduzioni", que acaba de ser publicado na
Itália, é uma obra ambiciosa, que
mostra a seriedade com que nossa
literatura é estudada por lá.
O volume conta com a colaboração de vários estudiosos brasileiros e é organizado por Giovanni Ricciardi (professor de literatura portuguesa e brasileira da Università degli Studi di Napoli "L'Orientale" que, nesta segunda-feira,
participa de mesa-redonda na
Feira do Livro de Porto Alegre).
Os textos (poemas, contos, trechos de romances e peças) são
precedidos de breves informações
bio-bibliográficas e comentários
sobre a importância e o significado histórico de cada autor. Além
disso, todos eles são publicados
em português (a tradução italiana
vem ao final de cada capítulo), o
que faz com que suas 700 páginas
sejam úteis também ao leitor brasileiro que (é importante que se
diga) não encontra obra semelhante disponível no mercado nacional, já que a série "Presença da
Literatura Brasileira", de Antonio
Candido e José Aderaldo Castello,
está desatualizada e praticamente
esgotada.
Em "Scrittori Brasiliani", todos
as fases da literatura brasileira estão equilibradamente representadas, incluindo desde trechos da
"Carta do Achamento", de Caminha, até o teatro de Ariano Suassuna e Maria Adelaide Amaral
-o que dá uma idéia da abrangência do livro. Alguns autores,
por sua importância individual,
têm capítulos à parte (como é o
caso do padre Vieira e de Machado de Assis).
E -detalhe significativo em um
momento de revalorização de
identidades culturais "periféricas"- o livro se inicia com um
capítulo intitulado "Cinque Milioni di Indios Fa" (Cinco Milhões
de Índios Atrás), com mitos e relatos indígenas anteriores ao Descobrimento, preservados oralmente até nossos dias.
Numa obra dessa magnitude,
sempre é possível fazer alguns reparos. Causa estranheza, por
exemplo, ver Erico Verissimo incluído no "Itinerário Nordestino". Para um leitor brasileiro, é
até compreensível que Verissimo
seja visto como a contrapartida
gaúcha de um regionalismo predominantemente nordestino.
Mas o livro não explica isso.
Aliás, também é estranho que o
capítulo intitulado "A Literatura
Regionalista" enfoque não o ciclo
dos anos 30 (José Lins do Rego,
Jorge Amado, Rachel de Queiroz,
Graciliano Ramos), mas autores
como Simões Lopes Neto, Afonso
Arinos e Monteiro Lobato (o qual,
diga-se de passagem, ficaria melhor entre os pré-modernistas).
Finalmente, há um incômodo
desequilíbrio entre os capítulos
dedicados à prosa e à poesia contemporâneas, que cobrem dos
anos 50/60 até hoje.
No caso dos ficcionistas, há lacunas inevitáveis, mas o organizador incluiu notas que ao menos
mencionam alguns nomes ausentes, como Osman Lins, Ignácio de
Loyola Brandão, Sérgio Sant'Anna e Milton Hatoum -excluídos
por terem obras publicadas em
italiano (já sendo, portanto, familiares ao público-alvo). Autores
como Cristovão Tezza ou Bernardo Carvalho nem sequer são
mencionados, mas a antologia
contempla generosamente a controvertida "Geração 90".
No caso da poesia, porém, a escolha do crítico brasileiro Antonio Carlos Secchin é incoerente.
Embora escreva, na apresentação
do capítulo, que a poesia atual
dialoga com duas vertentes principais (a vanguarda concretista e a
"geração marginal"), há poucos
traços de ambas em sua seleção.
Estão lá vanguardistas históricos, como os irmãos Campos e
Ferreira Gullar, e representantes
dos anos 70 como Chacal, Ana
Cristina César e Francisco Alvim.
Mas há também uma grande
quantidade de poetas de dicção
"sublime", de uma poesia de expressão subjetiva, que decididamente não dialoga com aquelas
vertentes. Como resultado, sobra
pouco espaço para poetas da nova
geração, que ficou restrita a três
nomes: Carlito Azevedo, Eucanaã
Ferraz e Alexei Bueno, sendo que
só os primeiros dois podem entrar na seara da chamada "poesia
de invenção".
Mas a poesia, contemporânea
ou não, será sempre um terreno
litigioso. Portanto, as opções pessoais de Secchin ou de qualquer
outro crítico não comprometem a
ousadia desse livro, que deveria
servir de modelo para iniciativas
semelhantes no Brasil.
Scrittori Brasiliani
Autor: Giovanni Ricciardi
Editora: Tullio Pironti
Quanto: preço não definido (700 págs.)
Onde encomendar: Livraria Italiana
(tel. 0/xx/11/3259-8915) ou no site
www.tulliopironti.it/
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