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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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"O LOUCO DO CATI"

Clássico antecipa "beatniks"

CRÍTICO DA FOLHA

Quinze anos antes de Jack Kerouac (1922-69) lançar "Pé na Estrada", referência da geração beat, o gaúcho Dyonélio Machado (1895-1985) publicou, em 1942, em plena ditadura Vargas, o relato de uma viagem psicodélica pelo Brasil.
É claro: em "O Louco do Cati" não há drogas lisérgicas. Mas as alucinações do protagonista, principalmente no final, não ficam nada a dever, por exemplo, aos estados artificialmente alterados descritos por William Burroughs (1914-1997), outro "beatnik", em "Almoço Nu".
Falar de protagonista quando nos referimos ao louco é arriscado. Não lhe conhecemos o nome. O personagem emite poucas frases no decorrer do romance. Com exceção de exíguos flashbacks iniciais, de uma passagem fincada no meio da história e do desenlace, quase sempre sabemos dele por meio de outros personagens.
Até a terça parte, o ponto de vista é sobretudo de Norberto, suposto ativista político que encontra o louco num bonde em Porto Alegre. Juntos, acompanham uns rapazes a uma praia no litoral gaúcho. Capturados em Araranguá, são jogados em presídio de Florianópolis e, depois, em carceragem do Rio de Janeiro.
De modo tão inexplicável como quando foram presos, são libertados. Norberto fica no Rio e embarca o companheiro para o Sul. Principia-se a viagem de volta. O percurso inteiro, de ida e retorno, dura quase um ano, com trechos feitos em ônibus, navio, automóvel, caminhão, trem, avião e a pé.
Aliás, um dos méritos dessa edição, a primeira em quase 20 anos, é que ela permite que acompanhemos o percurso no mapa estampado no verso das capas. Composto pelo próprio Dyonélio, com indicação de paradas, meio de transporte e datas de chegada e partida, o desenho faz parte da biblioteca de José e Guita Mindlin.
O maluco não tem nome. Apelidam-no de "louco do Cati" ou simplesmente Cati, por causa do pavor que ele tem de uma semimítica prisão, que teria funcionado como órgão feudal do terror no limite oriental do Rio Grande.
Romance predileto de Guimarães Rosa, a obra teve má acolhida na época do lançamento. Público e crítica não entenderam o estilo truncado, marcado por indefinições e referência simbólicas. O tempo serve para curar essas incompreensões. "O Louco do Cati" é, hoje, um clássico. (MARCELO PEN)


O Louco do Cati
    
Autor: Dyonélio Machado
Editora: Planeta
Quanto: R$ 40 (272 págs.)


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