|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O PRISIONEIRO - A VIDA DE ANTONIO GRAMSCI"
Debilidade teórica obscurece biografia
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Sessenta e quatro anos após
sua morte, os escritos de Antonio Gramsci (1891-1937) continuam despertando forte interesse, dentro e fora das fronteiras do
marxismo. Publicado em 1998 na
Itália, e agora lançado no Brasil,
"O Prisioneiro - A Vida de Antonio Gramsci", de Aurelio Lepre,
constitui uma biografia bastante
limitada do mais influente teórico
do Partido Comunista Italiano.
Professor de história contemporânea em Nápoles e autor de
vários estudos sobre Benito Mussolini, Lepre reconstitui a trajetória de Gramsci com base em uma
leitura exaustiva das "Cartas do
Cárcere", enfatizando os abalos
que sua vida pessoal sofreu em razão de suas opções políticas: o distanciamento da mulher, Giulia, as
suspeitas de anti-stalinismo que
despertava na cunhada Eugenia e
as dificuldades que o confinamento trouxe ao relacionamento
com seu amigo Palmiro Togliatti.
Da perspectiva do autor, tais
conflitos entre vida pública e vida
privada supostamente provariam
a impossibilidade de uma passagem do capitalismo ao comunismo: mais do que qualquer outro
comunista, "Gramsci experimentou na própria carne a impossibilidade de conciliar privado e público, indivíduo e partido, sentimento e razão e de fazer nascer,
assim, o novo homem que poderia realizar o "reino da liberdade'".
Essa argumentação desajeitada
tem uma formulação ainda mais
infeliz ao final do livro: "A Nova
Ordem só poderia nascer se nascesse um novo homem. E isso só
aconteceria se o homem biológico
tivesse se transformado completamente em um homem político,
se a razão tivesse assumido o controle completo dos sentimentos e
dos instintos. O fato de Antonio e
Giulia (...) não o terem conseguido contribui para explicar a falência da utopia do comunismo".
Apesar da barreira "biológica"
ao comunismo, Lepre não está inteiramente tranquilo: preocupa-o
a difusão de Gramsci, sobretudo
nos EUA. Explica que "as páginas
de Gramsci sobre os EUA foram
objeto muitas vezes de uma avaliação excessivamente otimista.
Por certo, se comparadas àquelas
de outros teóricos marxistas, impressiona a atenção que ele dedicou ao americanismo e ao fordismo. Mas na realidade Gramsci
menosprezou as potencialidades
econômicas do fordismo".
Segundo ele, o marxista italiano
não conseguiu captar a "transformação do operário produtor no
operário produtor-consumidor".
Lepre aparentemente ignora o fato de que todos os assalariados
são necessariamente consumidores, pois alienam sua força de trabalho em troca de dinheiro para
comprar meios de subsistência.
De todo modo, o fundamental é
saber que "seu pensamento não
pode constituir, hoje, um ponto
de referência para nenhuma força
de esquerda européia ou americana (e menos ainda para as forças
revolucionárias extra-européias),
embora as categorias gramscianas constituam ainda um importante instrumento de análise".
Mas, afinal, em que consiste tal
importância? Lepre tenta mostrar
que Gramsci pertence à civilização ocidental e que, por isso, está
afastado das novas interpretações
do marxismo que surgiram com
Lênin, na Rússia, e se desenvolveram com Mao Tsé-tung, Ho Chi
Minh e Fidel Castro: "Gramsci foi
um marxista não somente ocidental, mas ocidentalista. A unificação do gênero humano era uma
tarefa que cabia ao Ocidente". Em
suma: apesar de comunista,
Gramsci é "nosso" comunista.
A debilidade teórica de Lepre
termina assim obscurecendo uma
narrativa minuciosa da vida de
Gramsci, que encerra advertências úteis para o leitor que tem o
primeiro contato com a linguagem cifrada que caracteriza seus
escritos, submetidos a uma censura rigorosa. Mas, diversamente
da nova edição dos "Cadernos do
Cárcere" pela Civilização Brasileira, não é um livro indispensável
para entender seu pensamento.
O Prisioneiro - A Vida de
Antonio Gramsci
Autor: Aurelio Lepre
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (308 págs.)
Texto Anterior: Livros/Lançamentos - "Viagem ao Fim do Milênio": Alguém se lembrará de nós daqui a mil anos? Próximo Texto: "Sublunar": Azevedo encontra sua voz ante a tradição Índice
|