São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2001

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"O PRISIONEIRO - A VIDA DE ANTONIO GRAMSCI"

Debilidade teórica obscurece biografia

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Sessenta e quatro anos após sua morte, os escritos de Antonio Gramsci (1891-1937) continuam despertando forte interesse, dentro e fora das fronteiras do marxismo. Publicado em 1998 na Itália, e agora lançado no Brasil, "O Prisioneiro - A Vida de Antonio Gramsci", de Aurelio Lepre, constitui uma biografia bastante limitada do mais influente teórico do Partido Comunista Italiano.
Professor de história contemporânea em Nápoles e autor de vários estudos sobre Benito Mussolini, Lepre reconstitui a trajetória de Gramsci com base em uma leitura exaustiva das "Cartas do Cárcere", enfatizando os abalos que sua vida pessoal sofreu em razão de suas opções políticas: o distanciamento da mulher, Giulia, as suspeitas de anti-stalinismo que despertava na cunhada Eugenia e as dificuldades que o confinamento trouxe ao relacionamento com seu amigo Palmiro Togliatti.
Da perspectiva do autor, tais conflitos entre vida pública e vida privada supostamente provariam a impossibilidade de uma passagem do capitalismo ao comunismo: mais do que qualquer outro comunista, "Gramsci experimentou na própria carne a impossibilidade de conciliar privado e público, indivíduo e partido, sentimento e razão e de fazer nascer, assim, o novo homem que poderia realizar o "reino da liberdade'".
Essa argumentação desajeitada tem uma formulação ainda mais infeliz ao final do livro: "A Nova Ordem só poderia nascer se nascesse um novo homem. E isso só aconteceria se o homem biológico tivesse se transformado completamente em um homem político, se a razão tivesse assumido o controle completo dos sentimentos e dos instintos. O fato de Antonio e Giulia (...) não o terem conseguido contribui para explicar a falência da utopia do comunismo".
Apesar da barreira "biológica" ao comunismo, Lepre não está inteiramente tranquilo: preocupa-o a difusão de Gramsci, sobretudo nos EUA. Explica que "as páginas de Gramsci sobre os EUA foram objeto muitas vezes de uma avaliação excessivamente otimista. Por certo, se comparadas àquelas de outros teóricos marxistas, impressiona a atenção que ele dedicou ao americanismo e ao fordismo. Mas na realidade Gramsci menosprezou as potencialidades econômicas do fordismo".
Segundo ele, o marxista italiano não conseguiu captar a "transformação do operário produtor no operário produtor-consumidor". Lepre aparentemente ignora o fato de que todos os assalariados são necessariamente consumidores, pois alienam sua força de trabalho em troca de dinheiro para comprar meios de subsistência.
De todo modo, o fundamental é saber que "seu pensamento não pode constituir, hoje, um ponto de referência para nenhuma força de esquerda européia ou americana (e menos ainda para as forças revolucionárias extra-européias), embora as categorias gramscianas constituam ainda um importante instrumento de análise".
Mas, afinal, em que consiste tal importância? Lepre tenta mostrar que Gramsci pertence à civilização ocidental e que, por isso, está afastado das novas interpretações do marxismo que surgiram com Lênin, na Rússia, e se desenvolveram com Mao Tsé-tung, Ho Chi Minh e Fidel Castro: "Gramsci foi um marxista não somente ocidental, mas ocidentalista. A unificação do gênero humano era uma tarefa que cabia ao Ocidente". Em suma: apesar de comunista, Gramsci é "nosso" comunista.
A debilidade teórica de Lepre termina assim obscurecendo uma narrativa minuciosa da vida de Gramsci, que encerra advertências úteis para o leitor que tem o primeiro contato com a linguagem cifrada que caracteriza seus escritos, submetidos a uma censura rigorosa. Mas, diversamente da nova edição dos "Cadernos do Cárcere" pela Civilização Brasileira, não é um livro indispensável para entender seu pensamento.


O Prisioneiro - A Vida de Antonio Gramsci
  
Autor: Aurelio Lepre
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (308 págs.)




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