São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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Crítica/"Ligeiros Traços - Escritos de Juventude"

Conservadorismo marca crônicas do jovem Lins do Rego

Estilo prolixo e rabugento contrasta com a escrita direta e simples da maturidade do autor de "Menino de Engenho"

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não deixa de ser irônico o lançamento das crônicas de mocidade de José Lins do Rego, da geração regionalista de 30, logo após o relançamento da biografia de Oswald de Andrade, da geração de 22. Era de se esperar que alguém bem mais jovem, mesmo morando distante do centro industrial e cultural do Brasil, mas sendo erudito e atualizado como era, tivesse uma visão um pouco mais avançada sobre a arte e o país.
Mas não. O que se lê nestas crônicas de mocidade, em sua maioria, são escritos que oscilam entre o conservador e o encomiástico, muitas vezes carregados de uma rabugice e de uma prolixidade que em tudo contrasta com as idéias de quem, em São Paulo, escrevia: "A alegria é a prova dos nove".
Mais tarde, já na década de 30, com os romances do ciclo da cana-de-açúcar, o autor saberia destilar o aspecto caudaloso de seu texto e justificar a fama de direto e simples, movido, segundo seu amigo Manuel Bandeira, a "bagaço de cana-de-açúcar". Mesmo assim, dificilmente viria a reconhecer alguma influência da geração de 22 sobre sua literatura. Considerava a agitação modernista um "desfrute, que o gênio de Oswald de Andrade inventara para divertir seus ócios de milionário", e Macunaíma "uma coisa morta, folha seca, mais um fichário de erudição folclórica do que um romance".
Ainda com essas ressalvas, os escritos da juventude de José Lins auxiliam a compor um quadro interessante da paisagem cultural e política brasileira durante a década de 20 no Nordeste e a entender como pode se dar a formação de um romancista. Como se vê, por caminhos inesperados.
Para o organizador César Braga Pinto, o livro "tem o propósito de rastrear o papel desta incansável procura de modelos na formação do talento individual, assim como mapear a formação de um ambiente intelectual e suas ramificações". Um dos maiores amigos de Gilberto Freyre, de quem herdaria o "regionalismo tradicionalista" e brevemente interessado em Plínio Salgado, José Lins aparece, nestas páginas, ora como boêmio, ora com ódio veemente, ora totalmente identificado com o Carnaval; critica dura e sentimentalmente a pena de morte, o vício da cocaína, elogia Pedro Américo, Olavo Bilac e Rui Barbosa e pende entre o parnasianismo, o decadentismo e a ironia contundente. É difícil compreender que alguém que certa vez escreveu "Rui Barbosa, o sol da América, a cachoeira formidolanda do ideal" e "Momo, que tendes a glória admirável de ver, sob teus pés divinos, a humanidade em convulsões diabólicas" viesse mais tarde a denunciar a decadência do patriarcalismo e criar personagens tão fortes como Vitorino Carneiro da Cunha, um Quixote brasileiro, um dos protagonistas de "Fogo Morto".
Mas são justamente essas contradições que tornam tão cativante e tão brasileira a história do escritor.


LIGEIROS TRAÇOS - ESCRITOS DE JUVENTUDE
Autor:
José Lins do Rego
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 35 (304 págs.)
Avaliação: regular


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