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Crítica/"Ligeiros Traços - Escritos de Juventude"
Conservadorismo marca crônicas do jovem Lins do Rego
Estilo prolixo e rabugento contrasta com a escrita direta e simples da maturidade do autor de "Menino de Engenho"
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Não deixa de ser irônico
o lançamento das crônicas de mocidade de
José Lins do Rego, da geração
regionalista de 30, logo após o
relançamento da biografia de
Oswald de Andrade, da geração
de 22. Era de se esperar que alguém bem mais jovem, mesmo
morando distante do centro industrial e cultural do Brasil,
mas sendo erudito e atualizado
como era, tivesse uma visão um
pouco mais avançada sobre a
arte e o país.
Mas não. O que se lê nestas
crônicas de mocidade, em sua
maioria, são escritos que oscilam entre o conservador e o encomiástico, muitas vezes carregados de uma rabugice e de
uma prolixidade que em tudo
contrasta com as idéias de
quem, em São Paulo, escrevia:
"A alegria é a prova dos nove".
Mais tarde, já na década de
30, com os romances do ciclo
da cana-de-açúcar, o autor saberia destilar o aspecto caudaloso de seu texto e justificar a
fama de direto e simples, movido, segundo seu amigo Manuel
Bandeira, a "bagaço de cana-de-açúcar". Mesmo assim, dificilmente viria a reconhecer alguma influência da geração de
22 sobre sua literatura. Considerava a agitação modernista
um "desfrute, que o gênio de
Oswald de Andrade inventara
para divertir seus ócios de milionário", e Macunaíma "uma
coisa morta, folha seca, mais
um fichário de erudição folclórica do que um romance".
Ainda com essas ressalvas, os
escritos da juventude de José
Lins auxiliam a compor um
quadro interessante da paisagem cultural e política brasileira durante a década de 20 no
Nordeste e a entender como
pode se dar a formação de um
romancista. Como se vê, por caminhos inesperados.
Para o organizador César
Braga Pinto, o livro "tem o propósito de rastrear o papel desta
incansável procura de modelos
na formação do talento individual, assim como mapear a formação de um ambiente intelectual e suas ramificações".
Um dos maiores amigos de
Gilberto Freyre, de quem herdaria o "regionalismo tradicionalista" e brevemente interessado em Plínio Salgado, José
Lins aparece, nestas páginas,
ora como boêmio, ora com ódio
veemente, ora totalmente
identificado com o Carnaval;
critica dura e sentimentalmente a pena de morte, o vício da
cocaína, elogia Pedro Américo,
Olavo Bilac e Rui Barbosa e
pende entre o parnasianismo, o
decadentismo e a ironia contundente. É difícil compreender que alguém que certa vez
escreveu "Rui Barbosa, o sol da
América, a cachoeira formidolanda do ideal" e "Momo, que
tendes a glória admirável de
ver, sob teus pés divinos, a humanidade em convulsões diabólicas" viesse mais tarde a denunciar a decadência do patriarcalismo e criar personagens tão fortes como Vitorino
Carneiro da Cunha, um Quixote brasileiro, um dos protagonistas de "Fogo Morto".
Mas são justamente essas
contradições que tornam tão
cativante e tão brasileira a história do escritor.
LIGEIROS TRAÇOS - ESCRITOS DE JUVENTUDE
Autor: José Lins do Rego
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 35 (304 págs.)
Avaliação: regular
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