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LITERATURA
"Niki, a História de um Cão", de Tibor Déry, uma das obras mais populares da Hungria, é lançada no Brasil
Livro reforça empatia entre homem e animal
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS
Os efeitos saudáveis de um
Nobel certeiro, o do romancista húngaro Imre Kertész, já começam a se fazer sentir até mesmo no Brasil com a publicação de
"Niki, a História de um Cão", de
seu conterrâneo Tibor Déry
(1896-1977).
Nascido numa família da classe
média judaica de Budapeste, o escritor, como tantos intelectuais
judeus da época, aderiu ativamente ao espírito revolucionário
que assumiria no país, após sua
derrota desastrosa na Primeira
Guerra, a forma da efêmera República Húngara dos Conselhos,
uma experiência bolchevique que
durou poucos meses e, esmagada
por tropas romenas orientadas
pela França, foi sucedida pela longa ditadura fascistizante do Almirante Horthy.
Fugindo do "terror branco",
Déry -cujo primeiro conto aparecera, em 1917, na importante revista "Nyugat" (Ocidente)- exilou-se na Tchecoslováquia e depois na Áustria, não retornando
antes dos anos 30, quando escreveu "A Sentença Inconclusa", romance publicado apenas em 1947,
mas considerado um dos melhores retratos realistas da classe média húngara do entreguerras.
Sua simpatia inicial pelo socialismo se converteu rapidamente
em desilusão quando se patenteou que o regime imposto pelas
tropas do Exército Vermelho era
uma tirania tão cruel e despótica
quanto a anterior. Entre o fim dos
anos 40 e meados da década seguinte, o país esteve sob o jugo da
pior ditadura stalinista de todo o
bloco soviético e foi essa pressão
que resultou na insurreição popular de 1956, quando uma nação
minúscula se opôs, semanas a fio,
ao rolo compressor do Pacto de
Varsóvia.
Um dos estopins da revolta foi a
fermentação desencadeada nos
meses anteriores por uma intelectualidade crítica que desafiou o
poder. Uma vez que os soldados
russos e seus aliados reimpuseram a paz dos cemitérios, centenas de milhares de pessoas se exilaram no Ocidente (entre elas, o
tradutor do livro), os políticos e
militares implicados foram executados e os escritores pagaram
caro por sua desobediência. O
prestígio internacional de Déry
salvou-lhe o pescoço sem evitar,
no entanto, que amargasse seis
anos de prisão.
É esse o período coberto por sua
breve obra-prima. A vida de um
casal durante os "anos de cão", de
48 a 56, é acompanhada do ponto
de vista de seu cachorro, Niki
(1956), numa novela em que se
exploram todas as irônicas possibilidades narrativas abertas pelos
paralelos encontrados entre a
existência canina e a humana.
Para os húngaros, um povo originalmente pastoril que se estabeleceu no extremo ocidental da estepe eurasiana, o cachorro ocupa
um lugar de primeira importância, algo que se revela na profusão
de provérbios associados a ele:
"uivo de cão não chega aos céus";
"cachorro não vira salame"; "o
cachorro late e o dinheiro fala";
"um é cão, o outro, cachorro" etc.
Tal familiaridade intensifica magistralmente a empatia que o autor cria entre as experiências do
animal e a das pessoas.
A partir dos anos 60, János Kádár, o novo ditador comunista,
optou por uma política de pacificação e compromisso que admitia certo grau de dissidência intelectual. Um dos primeiros resultados dessa decisão foi justamente a
publicação de "Niki", algo impensável antes da insurreição. Embora a novela, como se poderia esperar, não acarretasse o fim do regime, que só terminou quando
ocorreram mudanças em seu centro, na Rússia, ela se tornou, desde
então, uma das obras mais populares do país.
Niki - A História de um Cão
Autor: Tibor Déry
Tradutor: Gábor Aranyi
Editora: Veredas
Quanto: R$ 25 (128 págs.)
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