|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O FILHO ADOTIVO"
Criança bastarda dá nova percepção de mundo
TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Filmes como "O Filho Adotivo" -que afirmam, a um só
tempo, o talento de um novo cineasta, a gestação de uma cinematografia e a beleza de uma cultura desconhecida- constituem
momentos raros e preciosos na
vida do espectador de cinema.
Como reza a tradição, somos reportados ao espírito da infância e
descobrimos um novo mundo
pelo olhar de uma criança. Por
trazerem os sentidos alertas, essas
crianças estão sempre a nos prover de uma nova percepção.
Órfãs da guerra no neo-realismo italiano, incompreendidas na
nouvelle vague francesa, esquecidas ou desgarradas na cinematografia iraniana, essas crianças, se
não nascem bastardas, são, de alguma forma, abastardadas.
O personagem interpretado, em
"O Filho Adotivo", pelo filho (verdadeiro) do diretor Aktan Abdykalykov, um garoto que se descobre bastardo pouco depois de conhecer o amor, não deixa de pertencer a essa distinta linhagem.
Trata-se de um "filho de cinco
avós", alcunha que só pode ser
elucidada pela tradição da região
rural do Quirguistão sobre a qual
se detém o filme. Lá, com certa
justiça, as famílias numerosas devem doar um de seus filhos, por
meio de um ritual em que a criança passa pelos joelhos dobrados
de cinco senhoras, às famílias sem
filhos.
Abdykalykov parte desse mote
regionalista para nos contar a história de toda infância. Mas, se "O
Filho Adotivo" pertence ao melhor da tradição humanista do cinema, não é apenas por nos fazer
recair na velha premissa clichê segundo a qual só o mais puro regionalismo dá conta da verdadeira universalidade, mas por nos fazer apreender, pelos sentidos da
criança, num mesmo movimento
e como que pela primeira vez, o
mundo dos homens, com seus códigos e rituais.
A história da infância é a história dos primeiros sentimentos e a
dos primeiros sons e das primeiras imagens -tal é a beleza simples da sonoplastia do filme e o
frescor de sua fotografia. Fazendo-se os olhos e os ouvidos de seu
filho, Abdykalykov não filma senão a poesia e o espírito da infância (dom cada vez mais raro entre
os cineastas contemporâneos: o
de parecer intuir sempre com precisão em qual ponto do espaço
deve posicionar a sua câmera para filmar cada evento).
O Filho Adotivo
Bashkempir
Direção: Aktan Abdykalykov
Produção: Quirguistão/França, 1998
Com: Mirlan Abdykalykov, Adir
Abilkassimov, Mirlan Cinkozoev
Quando: a partir de hoje na Sala UOL de
Cinema e no Vitrine
Texto Anterior: O diretor: "John era cínico. Paul, teatral", afirma Lester Próximo Texto: Curta Petrobras às seis: Programa exibe cinematografia irregular de Recife Índice
|