São Paulo, sexta-feira, 02 de fevereiro de 2001

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"O FILHO ADOTIVO"

Criança bastarda dá nova percepção de mundo



TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA



Filmes como "O Filho Adotivo" -que afirmam, a um só tempo, o talento de um novo cineasta, a gestação de uma cinematografia e a beleza de uma cultura desconhecida- constituem momentos raros e preciosos na vida do espectador de cinema.
Como reza a tradição, somos reportados ao espírito da infância e descobrimos um novo mundo pelo olhar de uma criança. Por trazerem os sentidos alertas, essas crianças estão sempre a nos prover de uma nova percepção.
Órfãs da guerra no neo-realismo italiano, incompreendidas na nouvelle vague francesa, esquecidas ou desgarradas na cinematografia iraniana, essas crianças, se não nascem bastardas, são, de alguma forma, abastardadas.
O personagem interpretado, em "O Filho Adotivo", pelo filho (verdadeiro) do diretor Aktan Abdykalykov, um garoto que se descobre bastardo pouco depois de conhecer o amor, não deixa de pertencer a essa distinta linhagem.
Trata-se de um "filho de cinco avós", alcunha que só pode ser elucidada pela tradição da região rural do Quirguistão sobre a qual se detém o filme. Lá, com certa justiça, as famílias numerosas devem doar um de seus filhos, por meio de um ritual em que a criança passa pelos joelhos dobrados de cinco senhoras, às famílias sem filhos.
Abdykalykov parte desse mote regionalista para nos contar a história de toda infância. Mas, se "O Filho Adotivo" pertence ao melhor da tradição humanista do cinema, não é apenas por nos fazer recair na velha premissa clichê segundo a qual só o mais puro regionalismo dá conta da verdadeira universalidade, mas por nos fazer apreender, pelos sentidos da criança, num mesmo movimento e como que pela primeira vez, o mundo dos homens, com seus códigos e rituais.
A história da infância é a história dos primeiros sentimentos e a dos primeiros sons e das primeiras imagens -tal é a beleza simples da sonoplastia do filme e o frescor de sua fotografia. Fazendo-se os olhos e os ouvidos de seu filho, Abdykalykov não filma senão a poesia e o espírito da infância (dom cada vez mais raro entre os cineastas contemporâneos: o de parecer intuir sempre com precisão em qual ponto do espaço deve posicionar a sua câmera para filmar cada evento).



O Filho Adotivo
Bashkempir

    
Direção: Aktan Abdykalykov
Produção: Quirguistão/França, 1998
Com: Mirlan Abdykalykov, Adir Abilkassimov, Mirlan Cinkozoev
Quando: a partir de hoje na Sala UOL de Cinema e no Vitrine




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