São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2004

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Lyra e Rodrigues discutem bossa

DA REPORTAGEM LOCAL

A bossa nova, 46, está comprimida entre duas visões distintas de mundo, por dois dos atores originais da época em que o movimento musical era criancinha.
De um lado, volta às gravações o carioca Carlos Lyra, 64, um de seus principais formuladores. "Sambalanço" despreza o rótulo "bossa nova", preferindo a designação "sambalanço", que ele próprio utilizou no início dos anos 60 como numa dissidência mais gingada e politizada das linhas musicais de "amor, sorriso e flor".
De outro lado, rende-se ao termo "bossa nova" o sambista paulista Jair Rodrigues, 65, que nos 60 praticava sambalanço ao lado de Elis Regina, ignorando como a parceira os ingredientes de maciez de voz e violão inventados por João Gilberto.
Seu CD se chama "A Bossa Nova por Jair Rodrigues". Tenta adaptar sua interpretação trovejante à suavidade da bossa -e vice-versa.
Lyra reexamina a história: "O sambalanço não foi uma dissidência, não. Era apenas um acréscimo. As pessoas esquecem que bossa nova é tudo -baião, samba, marchinha, samba-canção, marcha-rancho".
Despista também as intenções antigas, de artista ligado ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE). "O que eu fazia não tinha intenção política. Isso aconteceu mais na música "Influência do Jazz", que era antiimperialista."
Jair relata sua distância inicial: "Eu não era muito ligado à bossa, via que era feita para ser uma coisa mais de exportação. Até cantava, mas ao meu modo".
"Gostava da forma de cantar de João, mas achava que a maioria das bossas que foram para fora foram completamente jazzificadas", completa Jair, em defesa implícita da "pureza" da "música popular brasileira".
Embora em campos opostos, Lyra e Jair chegam ao mesmo ponto: a preocupação, no início dos anos 60, com a "jazzificação" -ou seja, a internacionalização- da música brasileira.
Cantando bossas de punho próprio (no caso de Lyra) ou dos pilares do movimento, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes (no caso de Jair), hoje eles voltam à bossa em registros dissonantes.
Segundo Lyra: "Eu não vejo uma cristalização da bossa, mas uma modernização. Não penso em me modernizar. Cheguei a uma idade em que tenho de aceitar aquilo que parte de mim espontaneamente".
Para Jair: "Usei teclado, baixo, bateria, violão e acordeom. Queria cavaco, mas os arranjadores não deixaram. A idéia era infringir todas as regras da bossa nova, fazer mais ao meu estilo".
Se os embates ideológicos em torno da bossa hoje são ociosos, é Lyra quem toma a palavra para falar de presente e futuro:
"De uma maneira geral, hoje me sinto à margem. Sou marginal, no bom e no mau sentido. Mas hoje não sou eu que estou com problemas, é a indústria fonográfica".
"Tenho impressão que meu CD é um dos últimos que vão existir. O modo de fazer vai mudar muito. É o final dos tempos, né?"
Soluções ele diz não vislumbrar. "O CD vai acabar, sei lá o que vai acontecer depois. Meu problema é fazer música, não quero saber se ouvida por satélite ou internet."
Por enquanto, aproveita o "fim dos tempos" veiculando seu "Sambalanço" independente pela distribuidora da Trama -a gravadora de Jair Rodrigues. (PAS)


SAMBALANÇO - Disco de Carlos Lyra. Lançamento: MCK/Distribuidora Independente. Quanto: R$ 30, em média.

A BOSSA NOVA POR JAIR RODRIGUES - Disco de Jair Rodrigues. Lançamento: Trama. Quanto: R$ 30, em média.



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