São Paulo, quarta-feira, 02 de maio de 2007

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

O livro contra Deus


Pergunta fatal: se Deus foi criado à nossa imagem e semelhança, não estaríamos bem melhores sem Ele?

CHRISTOPHER HITCHENS está de volta com um pequeno livro contra Deus. O título não engana: "God Is Not Great: The Case Against Religion" (Deus não é grande: tese contra a religião). O conteúdo também não. Claro que Hitchens não é completamente hostil em matéria religiosa. Numa conversa com a revista "New York", é o próprio quem confessa certo carinho por algumas passagens da Bíblia. O milagre da transformação da água em vinho é uma delas. E, para espanto dos leitores, Hitchens acrescenta que já falou com o Altíssimo em momento de prece. Para lhe pedir uma ereção. A ereção não veio. O ateísmo de Hitchens saiu reforçado.
Mas, no geral, Deus não é de confiança porque o terrorismo islâmico é a prova final. Aliás, não apenas o terrorismo islâmico e todos os que matam em nome do profeta.
O argumento do autor é válido para qualquer crença estabelecida: uma superstição infantil que, historicamente falando, foi sempre um convite à violência. Pergunta fatal: se Deus foi criado à nossa imagem e semelhança, não estaríamos bem melhores sem Ele?
Entendo a pergunta de Hitchens. Pena que ela não seja original. Há pelo menos 200 anos que os homens modernos fazem perguntas semelhantes e, em certos casos, passaram diretamente da teoria à prática. Em 1789, os revolucionários franceses não se limitaram a abolir o "Ancien Régime" e, com ele, o papel do clero como força social. Aboliram e combateram a própria possibilidade de crença num Deus transcendente.
Infelizmente, a violência do golpe não enterrou o divino; apenas levou os homens para o culto de um deus imanente: a Revolução, a Nação, a República. E, em termos caricaturais, o ser supremo que Robespierre inventou, com seus ritos e dogmas. Robespierre entendeu que o fim da religião tradicional não eliminava a necessidade de crença dos seres humanos. Apenas exigia que essa necessidade fosse arregimentada por uma nova "religião cívica" de forma a justificar, e por vezes a exigir, os sacrifícios do terror e da virtude.
O episódio foi apenas o primeiro de uma longa sucessão de "religiões seculares" (a expressão famosa de Raymond Aron) que se apresentaram aos homens como substitutas das religiões tradicionais. Como o comunismo e o nazismo, por exemplo: ideologias atéias que, na realidade, se limitaram a substituir o reino de Deus pelo reino do proletariado (ou do partido, ou da raça). Os resultados da "libertação" foram tão desastrosos como o sangue generoso das velhas inquisições.
Porque a verdade, a dolorosa verdade, é que a discussão política de Deus tem pouco a ver com sua existência ou inexistência: um diálogo de surdos em que ninguém vence de forma racional.
Politicamente falando, a única questão genuína é saber se a eliminação do divino pelo poder temporal nos torna necessariamente melhores. A história desmente esse otimismo. E apenas confirma, como Chesterton diria, que, quando os homens deixam de acreditar em Deus, eles não passam a acreditar em nada. Eles apenas estão dispostos a acreditar em qualquer coisa.


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