São Paulo, sexta, 2 de maio de 1997.

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Schwob, o escritor dos escritores

CASSIANO ELEK MACHADO
da Redação

Alfred Jarry lhe dedicou ``Ubu Rei''. Oscar Wilde escreveu ``Salomé'' para ele. Seu nome também preencheu a dedicatória da primeira edição da célebre ``Introdução ao Método de Leonardo Da Vinci'', de Paul Valéry.
Nos seus apertados 37 anos de vida, Marcel Schwob construiu contos, poemas em prosa, ensaios, vigorosas traduções e renovou a narrativa com seus cruzamentos de ficção com realidade.
Apesar disso, Schwob nunca conseguiu se livrar do estigma de ``escritor dos escritores''. Desde o começo dos ano 90, os livros mais importantes do autor francês (1867-1905) têm sido reeditados em seu país natal. Por trás da ressurreição do escritor está um grande cavalheiro das letras.
Schwob, pseudônimo de André Mayer, foi assunto constante do argentino Jorge Luis Borges, que se declarava influenciado por duas obras centrais do autor: ``A Cruzada das Crianças'' e ``Vidas Imaginárias''.
Depois de cem anos, as ``biografias imaginárias'' de Schwob chegam ao português conduzidas por outro escritor.
Foi Borges quem ``apresentou'' Marcel Schwob ao poeta e tradutor Duda Machado, responsável pelo lançamento de ``Vidas Imaginárias'' no Brasil ainda neste mês pela editora 34.
O livro inaugura a coleção ``Ilha'', que de acordo com Machado, seu coordenador, foi criada a partir da brincadeira de perguntar que livros você levaria para uma ilha deserta.
Machado observa que, ao mesmo tempo que Borges se declara influenciado por Schwob -e, de acordo com o poeta, a influência ultrapassaria a ``História Universal Infâmia'' e chegaria até o conto ``O Aleph''-, o escritor francês é descrito na ``Pequena Larousse dos Escritores'' como autor borgiano ``avant la lettre''.
O que mais fascinou Borges em Schwob foi o ``vaivém'' entre protagonistas reais e feitos fabulosos e não poucas vezes fantásticos.
Schwob entrelaçou história e ficção com a integração do aprendizado erudito ao exercício criador. O escritor, que aprendeu sânscrito com Ferdinand de Saussure na Sorbonne antes de esse ser conhecido como o fundador da linguística moderna, já traduzia Luciano de Samosata aos 16 anos.
O professor de literatura da Universidade Federal de Santa Catarina Walter Carlos Costa, que assina o prefácio de edição artesanal bilíngue da obra ``A Cruzada das Crianças'', lançada em março passado pela editora catarinense Paraula, observa em Schwob o ``trânsito entre fato e artefato.''
De acordo com Costa, na invenção ficcional que se inscreve dentro de situações estritamente documentadas, Schwob ``traça a síntese da escrita impassível e do conteúdo trágico''.
De acordo com Duda Machado, a fórmula de ``Vidas Imaginárias'' está na inserção de uma história rica em detalhes sobre dados gerais documentais. ``Ele cria hipóteses que são ficções a partir de dados reais''.
Segundo o poeta, a obra tem fontes muito claras. Entre elas, ele destaca uma série de biografias de pintores, escritas pelo artista italiano Giorgio Vasari (1511-1574).
Para Machado, a ``biografia imaginária'' do pintor florentino Paolo Uccello (1397-1475), por exemplo, é baseada no texto de Vasari.
Além dessa influência, para traçar a vida de Uccello, Schwob também teria se inspirado no livro ``A Obra-Prima Desconhecida'', de Balzac, em que é contada a história de ``um pintor que está chegando por meio da hiperconcentração em um problema da pintura à uma espécie de visão abstrata''.
Outra fonte na qual Schwob se debruçou para costurar as ``Vidas Imaginárias'' é um livro da Antiguidade, publicado pelo filósofo Diógenes Laércio: ``Vida e Doutrina de Filósofos Célebres''. As ``biografias'' dos filósofos Empédocles e Crates em ``Vidas Imaginárias'' usam como esqueleto os textos de Diógenes.
A fronteira entre ficção e realidade é tênue. No capítulo em que conta a vida de Capitão Kid (ver página anterior), por exemplo, Schwob insere o ``personagem do balde'', que teria atormentado o pirata, em uma base estritamente documental.
No prefácio do livro, Schwob comenta a incerteza que a ciência histórica deixa sobre os indivíduos. De acordo com o escritor, se fossemos seguir o fio da história só encontraríamos os pontos pelos quais os indivíduos se ligaram às ações gerais.
Como Schwob passou mais tempo no território da arte que no da ciência, buscava intensamente o oposto das idéias gerais. ``A arte só descreve o individual, só deseja o único.''

A Obra

Vidas Imaginárias - de Marcel Schwob. Lançamento: editora 34 (r. Hungria, 592, CEP 01455-000). 190 págs. Preço: não definido

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