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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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CINEMA

Em "Bens Confiscados", que deve ficar pronto no final do ano, diretor trata da "cultura do tráfico de influência"

Reichenbach conclui "melodrama político"

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A CIDREIRA (RS)

Uma única tomada, feita no penúltimo dia das filmagens de "Bens Confiscados" -às quais a Folha teve acesso exclusivo-, diz muito sobre o cinema de seu diretor, Carlos Reichenbach.
Sobre trilhos instalados na areia da praia de Cidreira, no litoral gaúcho, a câmera enquadra primeiro um cinema abandonado, o Cine Oriente, onde desponta um cartaz de "Desejo Atroz" ("All I Desire"), de Douglas Sirk.
Lentamente, a câmera se desloca para o restaurante ao lado, o Dois Corsários, em que uma mulher de meia idade (Betty Faria) está sentada sozinha a uma mesa. Na mesa atrás dela, um grupo de jovens pedagogas faz fuxico sobre o relacionamento da mulher com um adolescente que ela diz ser seu sobrinho. Num único plano, estão indicados o enredo do filme, sua principal referência (o cinema de Douglas Sirk), os dois últimos longas de Reichenbach ("Alma Corsária" e "Dois Córregos") e o que ele pretende rodar a seguir, "Oriente".
Entre um "take" e outro, Carlão, como é conhecido no meio cinematográfico, fala com entusiasmo sobre o filme, que ele qualifica de "melodrama político".
A trama diz respeito ao relacionamento entre o adolescente Luís (Renan Augusto), filho bastardo de um senador, e a enfermeira carioca Serena (Betty Faria), ex-namorada do mesmo senador. Luís está escondido num desolado balneário fora de estação, e Serena é convocada a cuidar dele, mas os dois acabam tendo um caso.
"O crítico Inácio Araujo [da Folha] me disse uma vez que só faço filmes sobre relações paradoxais. "Bens Confiscados" é talvez o mais radical nesse aspecto", diz o diretor. Essa delicada relação afetiva é cercada pela brutalidade da história política brasileira, algo que já ocorria, de certo modo, em "Dois Córregos".
"Os dois filmes buscam uma visão da porta da cozinha, de personagens que são mais as vítimas que os agentes da história política", define Reichenbach. "Mas "Dois Córregos" era mais sobre a memória; este é um filme sobre o hoje, sobre a cultura do tráfico de influências. Tem, por exemplo, a personagem da mulher de um político que vai à TV e denuncia as falcatruas do marido."
Rodado em oito semanas, quase integralmente em Cidreira (algumas cenas foram feitas em SP e no Rio), "Bens Confiscados" está orçado em R$ 2,5 milhões e deve ficar pronto no final do ano, pouco depois de outro longa, "Garotas do ABC" (ex-"Aurélia Schwarzenega"), em estágio de finalização.
A quase totalidade do dinheiro gasto até agora (R$ 1,7 milhão) foi captada com a Riofilme e a Eletrobras pela atriz Betty Faria, co-produtora do filme e amiga de Reichenbach desde 1986, quando fizeram "Anjos do Arrabalde".


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