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CINEMA
Em "Bens Confiscados", que deve ficar pronto no final do ano, diretor trata da "cultura do tráfico de influência"
Reichenbach conclui "melodrama político"
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A CIDREIRA (RS)
Uma única tomada, feita no penúltimo dia das filmagens de
"Bens Confiscados" -às quais a
Folha teve acesso exclusivo-, diz
muito sobre o cinema de seu diretor, Carlos Reichenbach.
Sobre trilhos instalados na areia
da praia de Cidreira, no litoral
gaúcho, a câmera enquadra primeiro um cinema abandonado, o
Cine Oriente, onde desponta um
cartaz de "Desejo Atroz" ("All I
Desire"), de Douglas Sirk.
Lentamente, a câmera se desloca para o restaurante ao lado, o
Dois Corsários, em que uma mulher de meia idade (Betty Faria)
está sentada sozinha a uma mesa.
Na mesa atrás dela, um grupo de
jovens pedagogas faz fuxico sobre
o relacionamento da mulher com
um adolescente que ela diz ser seu
sobrinho. Num único plano, estão
indicados o enredo do filme, sua
principal referência (o cinema de
Douglas Sirk), os dois últimos
longas de Reichenbach ("Alma
Corsária" e "Dois Córregos") e o
que ele pretende rodar a seguir,
"Oriente".
Entre um "take" e outro, Carlão,
como é conhecido no meio cinematográfico, fala com entusiasmo
sobre o filme, que ele qualifica de
"melodrama político".
A trama diz respeito ao relacionamento entre o adolescente Luís
(Renan Augusto), filho bastardo
de um senador, e a enfermeira carioca Serena (Betty Faria), ex-namorada do mesmo senador. Luís
está escondido num desolado balneário fora de estação, e Serena é
convocada a cuidar dele, mas os
dois acabam tendo um caso.
"O crítico Inácio Araujo [da Folha] me disse uma vez que só faço
filmes sobre relações paradoxais.
"Bens Confiscados" é talvez o mais
radical nesse aspecto", diz o diretor. Essa delicada relação afetiva é
cercada pela brutalidade da história política brasileira, algo que já
ocorria, de certo modo, em "Dois
Córregos".
"Os dois filmes buscam uma visão da porta da cozinha, de personagens que são mais as vítimas
que os agentes da história política", define Reichenbach. "Mas
"Dois Córregos" era mais sobre a
memória; este é um filme sobre o
hoje, sobre a cultura do tráfico de
influências. Tem, por exemplo, a
personagem da mulher de um político que vai à TV e denuncia as
falcatruas do marido."
Rodado em oito semanas, quase
integralmente em Cidreira (algumas cenas foram feitas em SP e no
Rio), "Bens Confiscados" está orçado em R$ 2,5 milhões e deve ficar pronto no final do ano, pouco
depois de outro longa, "Garotas
do ABC" (ex-"Aurélia Schwarzenega"), em estágio de finalização.
A quase totalidade do dinheiro
gasto até agora (R$ 1,7 milhão) foi
captada com a Riofilme e a Eletrobras pela atriz Betty Faria, co-produtora do filme e amiga de Reichenbach desde 1986, quando fizeram "Anjos do Arrabalde".
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