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MÚSICA/CRÍTICA
Saudades de Karlheinz Stockhausen
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
A arte é longa... longa... longa... e a vida é breve. Entende-se por que muita gente deve
ter ido embora no intervalo do
concerto de Karlheinz Stockhausen, sábado, no Moinho. Perderam a chance de escutar "Kontakte", longa e antológica peça do repertório eletroacústico. Mas, depois de "Oktophonie", cada um
teria seus motivos para deixar a
cadeira vazia -entre eles, preservar a memória do melhor Stockhausen, que sua música recente
só faz diminuir.
Composta em 1999, "Oktophonie" faz parte da ópera "Terça-Feira", que por sua vez integra um
ciclo de sete, reunidas em "Luz".
Desde 1977, ele trabalha nessa semana inteira de óperas, cujo assunto é ele mesmo: seu nascimento na estrela Sírius, sua vinda à
Terra para promover um entendimento entre humanos e o cosmos
etc. Para 2003, está marcada a estréia de "Quarta-Feira", na Suíça.
Não é fácil levar a sério o criador
dessa automitologia. No mundo
já rarefeito da música contemporânea, são poucos os que ainda
cultivam o compositor de "Gesang der Jünglinge" (1956) e
"Gruppen" (1957), entre outras
grandes peças do pós-serialismo.
O que não significa uma diminuição de sua popularidade. Pelo
contrário, Stockhausen tornou-se
agora, além de mitologia, indústria: o site www.stockhausen.org
é o vendedor exclusivo dos 62
CDs de sua música, a Stockhausen Verlag edita suas partituras, a
Fundação Stockhausen dedica-se
"ao progresso da musicologia (...)
baseado na obra do professor
Karlheinz Stockhausen".
Significa, sim, uma mudança de
público. Não deixa de ser um
alento para a música contemporânea ver Tiazinha na platéia, escutando "Oktophonie". Mas é
triste notar a ausência de compositores e intérpretes que, há alguns anos, não perderiam por nada um concerto desses.
"Oktophonie", presumivelmente, tem função dramática na
ópera. Foi tocada no escuro. Ela é
"octofônica" porque o som se divide entre oito grupos de alto-falantes, distribuídos de lado a lado
e de alto a baixo do auditório. De
lado a lado não é novidade, mas
de alto a baixo, sim. Cabe a nós
educar o ouvido para perceber
musicalmente as diferenças.
A figura principal de "Oktophonie" é exatamente a passagem do
que está no fundo para o que está
no alto, com todas as conotações
que se quiser. Um sino eletrônico
dá início à primeira parte e se repete na segunda, que refaz a meia-hora inicial por outros caminhos.
Uma nota gravíssima se faz escutar do início ao fim; mudanças de
altura desse pedal correspondem
a modulações, ou mudanças de
campo harmônico. Mais que
wagnerianamente lentas.
Nos anos 50 e 60, ele acolhia elementos do jazz no abraço generoso e genial de sua música. Agora
abriga o rock com igual generosidade. Sua idéia de textura e sua
noção de tempo continuam únicas e fazem, do que vem do rock,
um entre outros atores na vastidão de intemporalidades.
Há espaço para um breve quase-canto oriental. Há muito para
os assobios, "glissandos" e chiados, que são como o solfejo da eletroacústica. Certos sons vão se
transformando em outros, que se
transformam em outros. Texturas
se adensam vagarosamente, depois afinam, até a nota final, que
se perde na altura e na distância.
O pior que se pode dizer de
"Oktophonie" é que tudo isso soa
como trilha sonora, para um drama imaginário qualquer. O melhor que se pode dizer é o mesmo,
com alguns bônus por momentos
de sonoridade inspirada.
A platéia aplaudiu por educação
e seguiu gelada para o cafezinho.
Dúvida difícil: voltar ou não, para
escutar "Kontakte" (de 1960)?
O crítico, entre outros, preferiu
continuar vivendo só com a memória dessa música arrojada e
inaugural. O que há de força em
"Oktophonie" vem da arte antiga
do próprio Stockhausen; e não é
impossível que a nova, de sua parte, estrague um pouco a anterior.
Saudades de Stockhausen.
Avaliação:
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