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CRÍTICA
Álbum reata carreira
do enviado especial
Tem sido generoso para a música
popular brasileira -para o samba, caso queira- este final de década. No ano passado, Paulinho da
Viola quebrou jejum discográfico
de oito anos, com "Bebadosamba". Agora, é a vez de Elza Soares.
Ela nem pode ser definida como
equivalente feminino de Paulinho
-sempre foi muito mais despachada-, mas em "Trajetória"
quase vem em tal transmutada
-talvez por obra do diretor artístico Sérgio de Carvalho e do arranjador Cristóvão Bastos, também
presentes em "Bebadosamba".
Trata-se, como no caso de Paulinho, de um disco de síntese, que
vem restabelecer -e revisar-
história que andava interrompida.
"Trajetória" flagra o mesmo talento em estado bruto exibido nas
últimas quase quatro décadas, de
uma cantora de voz inigualável
que sempre fez questão de agir como gata selvagem, maltratando
cordas vocais com sublimes e
agressivos vocalises jazzísticos.
A voz de Elza, ainda que atritada
pelo tempo e pela fúria de cantar,
reaparece vigorosa e expõe o que
ninguém pode ignorar: a matriz
definida por ela é referência obrigatória a qualquer cantora de raça
que passe pelo Brasil.
A título de exemplo, em ordem
aproximadamente cronológica:
sem Elza não existiriam Wanderléa, Clara Nunes, Beth Carvalho,
Baby Consuelo, Lady Zu, Frenéticas, Sandra de Sá, Angela Ro Ro,
Virgínia Rosa, Cássia Eller, Daúde.
Elza surgiu, em 60, para conduzir o trânsito do suingue do samba
e da bossa negra -que ela inventou- ao pop de qualquer cor. Por
isso Baby Consuelo é a melhor tradução -branca- de Elza Soares.
Por isso Fernanda Abreu, cantando "Escurinho" e gritando
"fui!" em "Kátia Flávia" -requintes recolhidos da professora-, reencarna Elza nos anos 90.
Mas, a quem pensasse que fossem necessárias sucessoras, eis
que ela ressurge em "Trajetória".
Se os arranjos pendem ao convencional, o CD ainda assim esbanja
voz e inteligência de repertório.
Passeia sôfrega por samba-exaltação ("Rio de Janeiro"), fundo
de quintal ("Sinhá Mandaçaia",
em dueto com Zeca Pagodinho),
samba de morro ("Lá no Alto da
Colina"), bossa negra ("Liberdade para Amar", co-escrita por
ela), MPB (dorida leitura de "O
Meu Guri", de Chico Buarque).
Ainda reata laços com sua estirpe, cantando "Bom-Dia", do repertório de um de seus ídolos, Dalva de Oliveira (o outro é Angela
Maria), e a delicada "Chuvas de
Verão", de Fernando Lobo. Passa
de leve pela própria história, retomando "Boato", sucesso de 60.
Nada supera, no entanto, os
-numerosos- momentos de dor
do CD. Nascem prontos para ficar
na história sambas desesperados
como "Trajetória" e "Estou Lhe
Devendo um Sorriso".
O recado é tão simples quanto
radical: a MPB ainda tem espaço
para a pureza, o samba vai muito
bem, obrigado. Que Elza nunca
mais abandone seu país, que as
gravadoras nunca mais a abandonem.
(PAS)
Disco: Trajetória
Artista: Elza Soares
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média
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