São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O BAILE DOS BOMBEIROS"

Milos Forman faz sátira do socialismo

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Em 1967, quando Milos Forman lançou "O Baile dos Bombeiros", seu país, a República Tcheca, então Tchecoslováquia, vivia uma primavera por trás da Cortina de Ferro -um período de distensão e relativa liberalização do regime comunista, a Primavera de Praga.
Um ano depois, quando seu filme chegava ao Ocidente, os tanques russos voltavam a invadir o país, Forman se exilava nos Estados Unidos e sua obra ganhava novos contornos: o que antes era visto como uma sutil comédia social ganhou, nas declarações do próprio autor, ares de sátira ao regime socialista. "Uma metáfora de todo o corrupto e incompetente sistema soviético", diria Forman, em solo americano.
Numa cidade do interior tcheco, os bombeiros organizam um baile em homenagem ao moribundo patrono da corporação. Uma festa cujos organizadores legislam em causa própria, roubando as prendas e se embriagando atrás das candidatas à rainha do baile -uma sátira à farra dos burocratas socialistas? Quando um incêndio nos arredores interrompe a festa, aos bombeiros só resta aconselhar o desconsolado dono da casa a colocar sua cadeira um pouco mais perto do fogo para não se resfriar.
Por um estilo quase documental, que subverte brilhantemente o chamado realismo soviético, em filmes como este e "Os Amores de uma Loira" (1966), também lançado pela Continental, Forman se firmou como um dos expoentes da chamada nouvelle vague tcheca. Movimento que, a exemplo de seu correlato francês, nasceu da coincidência entre a eclosão de certo mal-estar da juventude e a surpreendente ascensão de um sem-número de jovens cineastas.
O cinema moderno em sua essência: o momento em que uma geração de jovens irados, ela própria moldada pelo cinema, leva sua nova percepção de mundo para as telas. Momento de um duplo reconhecimento, de uma adequação efêmera, mas capaz de produzir toda uma mitologia dos tempos modernos.
A imagem mais recorrente nos filmes tchecos de Forman (que viria a se consagrar, em Hollywood, por "Amadeus" e "Estranho no Ninho") é a de jovens entediadas pelo assédio de velhas e simpáticas caricaturas das autoridades soviéticas. São as caçulas das mulheres emancipadas dos filmes de Vera Chytilová, cineasta e musa da geração, as "pequenas margaridas" da Primavera de Praga.


O Baile dos Bombeiros
     Direção: Milos Forman
Distribuidora: Continental; R$ 40, em média


Texto Anterior: "Steamboy": Desenho retrata era vitoriana e conflito entre homem e ciência
Próximo Texto: Artes: Artistas subvertem consumo com cópias
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.