São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTES

Movimento "shop-drop", que consiste em colocar réplicas ou produtos modificados no comércio, ganha adeptos em NY

Artistas subvertem consumo com cópias

LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK

Lojistas de Nova York devem parar de se preocupar com os pequenos furtos e começar a prestar atenção nos artigos que podem estar aparecendo sorrateiramente nas prateleiras. Trote? Contravenção? Um pouco dos dois. Trata-se de um novo movimento artístico na cidade: o "shop-drop".
Em resumo, o artista cria uma cópia ou modifica um produto e devolve, escondido, para o mesmo lugar de onde comprou. O consumidor desatento ou sortudo pode estar levando para casa uma obra de arte pelo preço de um jeans barato ou uma lata de ervilha. E a loja ganha em dobro.
E o artista? Ganha a vanguarda das galerias alternativas de arte.
Zöe Sheehan Saldaña, 32, professora de arte da Baruch College de Nova York, faz "shop-drop" de roupas há três anos. Na mesma época, Ryan Watkin-Hughes, 26, começou a realizar "shop-drop" de enlatados.
"Eu pensei que eu tinha inventado o termo "shop-drop", mas não", disse Zöe. "Muita gente está fazendo isso." Ela costura a mão cópias de roupas do Wal-Mart, prega etiquetas de marca e preço originais e coloca de volta na prateleira. "Fiquei nervosa na primeira vez, mas é muito fácil. Ninguém está treinado para vigiar o "shop-drop", só o contrário, o "shop-lift" [furto em lojas]", diz.
Ryan usa seu material fotográfico e seus desenhos para modificar uma lata de comida. Mantém o preço e o código de barras e coloca de volta na prateleira. "Alguém pode estar comprando arte pelo preço do feijão preto Goya [US$ 0,59]", se diverte.
Ambos vêem elementos de humor e trote nesse conceito de arte e riram da idéia de o "shop-drop" virar moda na cidade.
Porém eles divergem sobre mensagens políticas. "Não sou porta-voz de nada. Cada um enxerga o que quiser na arte", desconversa Zöe. Já Ryan divulga uma campanha para subverter a poluição dos espaços comerciais.
"Tem cara de trote, mas terá funcionado se as pessoas refletirem sobre o tempo que gastam comprando e o tempo que gastam apreciando arte", explica.
No que pode ser considerada uma fase anterior do "shop-drop", artistas experimentaram colocar cópias estilizadas ou caricaturas dos produtos nas lojas -sem pretensão de venda oculta- como forma de crítica.
Marisa Jahn, que foi curadora de uma exposição na Califórnia sobre tipos de "shop-drop", explica que existem elementos de "presentear" e "incluir" que diferenciam o "shop-drop" de formas mais hostis de arte intervencionista. Talvez daí a dificuldade em vender a arte "shop-drop".
As latas de Ryan podem ser compradas por menos de US$ 1 na loja ou por até US$ 100 numa galeria. As roupas de Zöe, por cerca de US$ 20 na loja (cópia) ou por US$ 2.000 na galeria (original da loja). Ela acha "improvável" que alguém compre.
"Todos nós somos consumidores. Em todos os contextos. Há uma contradição problemática nesse conceito", diz Marisa Jahn.
Esse não é o único problema. No caso de Ryan, regulamentos sobre rotulagem de alimentos estariam sendo violados, já que as latas estão, em tese, à venda.
Adulterar rótulos de produtos para consumo também é crime federal, mas geralmente é preciso comprovar má-fé ou risco.
"Essas não são latas típicas de comida. Pessoas que cruzam com elas não têm como saber o que são. Se decidirem levar para casa, provavelmente não é para comer", diz Ryan, que já foi flagrado e se livrou explicando que era um projeto de arte.
Para Zöe, suas roupas não suscitarão queixas porque "são feitas para ser tanto ou mais estilosas e tanto ou mais duráveis quanto a original". "E o Wal-Mart ganhou duas vezes pela "mesma" venda", completa. "Shop-drop" não é crime. Sem intenção de dolo, é difícil argumentar que houve fraude contra a loja ou o consumidor.
Para Zöe, o anonimato da obra vem antes da curiosidade e, por isso, nunca tentou rastrear o paradeiro dos "drops". "A verdade é sempre menos atraente que a fantasia", avalia ela.

Texto Anterior: "Os baile dos bombeiros": Milos Forman faz sátira do socialismo
Próximo Texto: Saiba mais: Consumismo foi matéria-prima para as artes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.