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ARTES
Movimento "shop-drop", que consiste em colocar réplicas ou produtos modificados no comércio, ganha adeptos em NY
Artistas subvertem consumo com cópias
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
Lojistas de Nova York devem
parar de se preocupar com os pequenos furtos e começar a prestar
atenção nos artigos que podem
estar aparecendo sorrateiramente
nas prateleiras. Trote? Contravenção? Um pouco dos dois. Trata-se
de um novo movimento artístico
na cidade: o "shop-drop".
Em resumo, o artista cria uma
cópia ou modifica um produto e
devolve, escondido, para o mesmo lugar de onde comprou. O
consumidor desatento ou sortudo pode estar levando para casa
uma obra de arte pelo preço de
um jeans barato ou uma lata de
ervilha. E a loja ganha em dobro.
E o artista? Ganha a vanguarda
das galerias alternativas de arte.
Zöe Sheehan Saldaña, 32, professora de arte da Baruch College
de Nova York, faz "shop-drop" de
roupas há três anos. Na mesma
época, Ryan Watkin-Hughes, 26,
começou a realizar "shop-drop"
de enlatados.
"Eu pensei que eu tinha inventado o termo "shop-drop", mas
não", disse Zöe. "Muita gente está
fazendo isso." Ela costura a mão
cópias de roupas do Wal-Mart,
prega etiquetas de marca e preço
originais e coloca de volta na prateleira. "Fiquei nervosa na primeira vez, mas é muito fácil. Ninguém está treinado para vigiar o
"shop-drop", só o contrário, o
"shop-lift" [furto em lojas]", diz.
Ryan usa seu material fotográfico e seus desenhos para modificar
uma lata de comida. Mantém o
preço e o código de barras e coloca de volta na prateleira. "Alguém
pode estar comprando arte pelo
preço do feijão preto Goya [US$
0,59]", se diverte.
Ambos vêem elementos de humor e trote nesse conceito de arte
e riram da idéia de o "shop-drop"
virar moda na cidade.
Porém eles divergem sobre
mensagens políticas. "Não sou
porta-voz de nada. Cada um enxerga o que quiser na arte", desconversa Zöe. Já Ryan divulga
uma campanha para subverter a
poluição dos espaços comerciais.
"Tem cara de trote, mas terá
funcionado se as pessoas refletirem sobre o tempo que gastam
comprando e o tempo que gastam
apreciando arte", explica.
No que pode ser considerada
uma fase anterior do "shop-drop", artistas experimentaram
colocar cópias estilizadas ou caricaturas dos produtos nas lojas
-sem pretensão de venda oculta- como forma de crítica.
Marisa Jahn, que foi curadora
de uma exposição na Califórnia
sobre tipos de "shop-drop", explica que existem elementos de "presentear" e "incluir" que diferenciam o "shop-drop" de formas
mais hostis de arte intervencionista. Talvez daí a dificuldade em
vender a arte "shop-drop".
As latas de Ryan podem ser
compradas por menos de US$ 1
na loja ou por até US$ 100 numa
galeria. As roupas de Zöe, por cerca de US$ 20 na loja (cópia) ou
por US$ 2.000 na galeria (original
da loja). Ela acha "improvável"
que alguém compre.
"Todos nós somos consumidores. Em todos os contextos. Há
uma contradição problemática
nesse conceito", diz Marisa Jahn.
Esse não é o único problema.
No caso de Ryan, regulamentos
sobre rotulagem de alimentos estariam sendo violados, já que as
latas estão, em tese, à venda.
Adulterar rótulos de produtos
para consumo também é crime
federal, mas geralmente é preciso
comprovar má-fé ou risco.
"Essas não são latas típicas de
comida. Pessoas que cruzam com
elas não têm como saber o que
são. Se decidirem levar para casa,
provavelmente não é para comer", diz Ryan, que já foi flagrado
e se livrou explicando que era um
projeto de arte.
Para Zöe, suas roupas não suscitarão queixas porque "são feitas
para ser tanto ou mais estilosas e
tanto ou mais duráveis quanto a
original". "E o Wal-Mart ganhou
duas vezes pela "mesma" venda",
completa. "Shop-drop" não é crime. Sem intenção de dolo, é difícil
argumentar que houve fraude
contra a loja ou o consumidor.
Para Zöe, o anonimato da obra
vem antes da curiosidade e, por
isso, nunca tentou rastrear o paradeiro dos "drops". "A verdade é
sempre menos atraente que a fantasia", avalia ela.
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